Meu filho, com pouco mais de um ano de vida, teimava em explorar a tomada. Por mais que o advertisse, dando à voz uma entonação retumbante, nada o detinha diante daqueles dois orifícios funestos, de onde sairia um choque potente de 220 volts.
Mãe de primeira viagem, temerosa de que meu filho experimentasse um choque, decidi dar-lhe um tapa na mãozinha, seguido de novas advertências sobre o perigo iminente. O olhar lacrimoso condoeu-me, mas julguei, no momento, imperioso romper aquele círculo vicioso toque-choque.
A partir de então não foi mais necessário falar duas vezes: ao se aproximar do espelho do ponto de energia, apontava para minha própria mão relembrando o tapinha e insistia que se afastasse dali. Intimamente rezava para que a experiência não o impedisse de descobrir o mundo, de ter livre iniciativa. Enfim, de ser destemido.
O tempo passou e fazendo compras em um grande magazine, me deparei com protetores de tomada! Uma invenção que teria evitado aquele tapa em meu filho e certamente o estresse da vigilància irrestrita.
O segundo filho chegou e com ele a certeza de que não haveria mais problemas com choque. Dito e feito! Comprei vários protetores! Livrei minha casa e minha consciência daquele perigo. Engatinhando, o vi tatear o bendito artefato plástico e desistir de pronto daquela aventura.
Esqueci-me, no entanto, de que o mundo não tem protetores. Na primeira visita, num breve descuido, eis que ouço o berro de meu caçula! Corri para ele. Estava pálido, suava frio e chorava muito. Diante da tomada, ainda com os dedinhos próximos à abertura, constatei que fora vítima de um choque de 220 volts!
Não é fácil educar. Questionei-me se tinha o direito de usurpar do mais velho o direito à vivência de um choque. Lastimei o tapa não dado no caçula. Arrependia-me do tapa na mãozinha inocente do primogênito. Culpava-me pela bobeada em casa alheia e falta de tato para lidar com questões como essa.
Que caminho tomar na melhor condução da vida de nosso rebento? O que é lícito a um pai ou uma mãe fazer para protegê-lo? Até onde deve ir nosso poder de persuasão? Como decidir o que ele deve vivenciar? A questão persiste: o choque de um tapa ou o tapa de um choque?