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cronicas-->pescaria -- 11/06/2010 - 00:47 (Antonio Jurandir Pinoti) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pescaria


Eles irradiam felicidade quando arrumam as tralhas para uma pescaria de fim de semana. Agem como se fossem adolescentes que planejam uma grande molecagem. Essa alegria se percebe até no trinado que fazem com os assobios, enquanto pegam caixinhas de baralho, algumas revistas pornográficas, o aparelho de som e outros objetos igualmente desnecessários numa pescaria semelhante à que eles têm na cabeça. E se houver exceções, elas serão poucas, porque esse tipo de atividade não passa de eficaz pretexto para uma bela e salutar farra, coisa que raros homens não gostam.
Nada de equipamentos sofisticados, balanças, cadernos para relatório, estudar a influência dos astros e índices de piscosidade. Fisgar um peixe é o que menos conta. Essa proeza é desejada por pescadores que, embora quase sempre não sejam profissionais, pertencem a alguma associação de diletantes. São uns bonachões que transformam o que poderia ser uma esbórnia em algo divertido, mas, infelizmente, sério, tanto que pode até ser - e quase sempre é - fotografado.
Para a turma a que me refiro, os equipamentos verdadeiramente importantes são um enorme isopor repleto de latinhas de cerveja, algumas garrafas de pinga e as picanhas e linguiças para o churrasco. Aliás, nenhum membro da turma gosta de peixe.
O primeiro prazer da pescaria entre aspas é a reunião dos companheiros para o acerto de alguns detalhes. Os companheiros, exceto as baixas que a vida nos impõe, são sempre os mesmos: os queridos, velhos e confiáveis amigos - a turma.
Chega o dia combinado. Lá estão eles na beira do rio, esfregando as mãos de contentamento entre uma cerveja e um gole de cachaça, lembrando-se dos amigos "pescadores" que já morreram: "O Tulião, sim, preparava um espetinho pra acompanhar a bebida. Aquele era mestre, mestre...".
Não é fácil imaginar situação de bem-estar melhor do que essa. E, como quase tudo na vida, ela pode ser aperfeiçoada, principalmente quando os companheiros levam mulheres (não as esposas, claro) para a beira do rio.
Com a presença delas, os casais se amoitam. Não se ouvem diálogos. Só gritinhos e respiração arquejante. De vez em quando surge uma das garotas, nua, gritando "volte aqui, taradinho!", enquanto corre atrás de um dos amigos, também pelado. Quando o alcança, ambos pulam no rio e de lá ordenam ao motorista que se finge de cego, surdo, mudo e abstêmio: "Gaúcho, Gaúcho, joga mais uma latinha!".
Claro que essa farra lasciva é deliciosa. Mas, no íntimo, eles sabem que ela não propicia, por assim dizer, um maior entrosamento cultural entre a turma. O grupo então inicia um quase infindável e burlesco papo furado, outra das maravilhas dessas libertinas pescarias.
- Os bons morrem cedo - começa um deles. - Li isso não sei onde e achei uma puta verdade.
- Não deixa de ser filosófico - outro concorda.
- Há exceções, há exceções - um terceiro retruca provocativo. - Às vezes, graças a Deus, alguns maus também batem as botas muito cedo.
- É... - diz outro amigo. - Mas assim de cabeça é mais fácil dar exemplos de pessoas famosas e boas que morreram jovens.
- Acho que é tudo uma questão de desequilíbrio. O mundo depende do desequilíbrio.
- Desequilíbrio do quê, meu, posso saber?
- Ora, morre mais pessoas boas do que más. Isso é bom para a gente arrebitar as orelhas; saber que a maioria das pessoas vivas não presta. É como as bolas do saco. O desequilíbrio delas faz tudo funcionar direitinho.
─ Que é isso mano, você lá entende dessas coisas? Quer dizer então que só os maus envelhecem?
─ Jesus Cristo morreu com 33 anos...
─ É, mas o Niemeyer tem mais de 100, e por acaso ele é mau? Ele ajudou a construir Brasília. Brasília, cara!
─ E as mulheres, elas não têm saco; como é que elas ficam nessa questão de desequilíbrio?
─ Ah... As mulheres já são desequilibradas por natureza ─ responde o mais bêbado de todos.
- Cala a boca, machista! A minha atual é bem equilibrada. Não é que nem aquela maluca da ex, que pagou com o meu próprio dinheiro, compadre, um detetive pra fotografar a gente naquela famosa pescaria. Lembra? Nós viemos com a Natasha, a chinesinha e a...
- Nem me lembre, compadre, nem me lembre!

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