Desde que a vi, aconteceu de um mundo se acender em mim. O próprio firmamento se revigorou sob novas vistas, a respiração se manteve intacta, os perfumes se tornaram mais intensos. Tudo rebrilhava em ouro puro. O próprio alumbramento! Quem me via, dizia que eu estava em outra esfera, tal o grau da centelha que me consumia. Ousasse conversar comigo, meus olhos se perdiam em outra era, um absurdo, eu pensava. Mas assim é que estava.
Nunca me declarei, nunca soube como abordar tão delicado assunto. Diziam uns: Deixe de ser bobo! Outros, mais maldosos, falavam de mim à s costas, no veneno típico dos que odeiam a felicidade que nos bate à porta. Eu, enfim, tratei isto como segredo de Estado. Só eu e ela sabíamos.
--Lá vai.
--Quem?
Ela flutuava num patamar. Quase tinha uma aura, eu podia tocá-la se quisesse. Sabia, desde o início, que poderia pensar, porém jamais concretizar meus atos, porque no sentido que eu a via, seria quase uma deusa. Uma Shakti. Uma musa. Seres assim são para serem admirados, reverenciados; nunca, jamais conspurcados. Ela passava e num ato contínuo se movia o motor perpétuo de nosso destino. Na espera lenta que o tempo dos apaixonados cria, entrava numa espécie de êxtase de luz e tudo brilhava à sua passagem.
--Camarada...
--... Sim?
--Meu amigo: Pés no chão.
Era quase como cair das nuvens. Eu diria que tudo sumia quando ela virava a esquina do corredor. Voltava à fria realidade, ao contato com o chão duro, gelado de piso refletivo, à luz baça das làmpadas de néon. O remédio era abaixar a cabeça, curar a eterna ferida do sonho não realizado e trabalhar para o esquecimento trazer o conforto dos acomodados.
Não tem jeito, amores platónicos são assim mesmo. Somos nós que amamos, sem nunca ter o retorno. Podemos até ser amados, porém a intensidade é tamanha que toda sua referência se torna a própria realidade. Toca o telefone, acende a làmpada de um quarto, rangido de portas se abrindo, o vento que sibila na janela semi-aberta. Não me incomodavam os outros que diziam para que eu retornasse ao mundo dos vivos ou que deixasse de lado o assunto que ela podia, de fato, se aborrecer. Que podia fazer se o que me fazia respirar era sua presença luminosa?
--Lá vai...
--Quem?
--Ora, você sabe quem!
O que se movia era um fiapo da Galáxia, talvez a cauda de um cometa exótico. Uma estrela de tamanha grandeza teria de luzir assim, em meu céu por muitas décadas, eu pensava. Foi quando me decidi e me aproximei dela, enquanto sua encantadora silhueta dava luz a uns papéis que segurava, como se banhados de um clarão de lua.
Tive a certeza de não estar só neste mundo quando ela se virou e seu sorriso respondeu antes que eu fizesse a ela a pergunta mais importante de minha vida.