Grande computador que é o nosso cérebro. Não é superado por nenhuma máquina. Ele é rápido; num instante buscamos no passado um dia feliz.
Quer ver?
Vamos ao arquivo. Eu sempre vivi na FEBEM, mas tinha um sonho muito forte e meio premonitório. Toda vez que pensava num futuro próximo, eu tinha certeza que sairia de lá e iria saber como era ter uma família.
Não disse que era premonitório? Aconteceu.
Um dia, fui chamada para conhecer um casal, que já havia me escolhido, sem que eu soubesse.
Foi amor à primeira vista. Eu estava com dez anos, mas a cabeça e o corpo eram de 6. A minha alegria era tanta que ninguém aguentava. Eu queria que o mundo inteiro soubesse que meu sonho tinha se realizado.
Naquele dia, eu não comi, não dormi; só queria que aquele DIA FELIZ não terminasse.
Que casa linda! Um quarto só meu, não dava para acreditar.
Até então, eu só convivera com a palavra NOSSO. Na FEBEM, vestíamos roupas comuns. Por isso, um dia estava com uma roupa enorme e no outro, com uma tão apertada que não conseguia brincar, pois me prendia.
Sapato, nem se fala! Era uma loucura. Só usávamos quando havia festa ou quando saíamos por algum motivo. Na hora de apanharmos um para, era complicado pois, se o modelo e a cor eram iguais, difícil se tornava encontrar um pé direito e outro esquerdo, do mesmo tamanho, pois em uma sala, eram espalhados mil pares, que não estavam separados por tamanho. Eu saía sempre, com o pé torto, dois pés direitos ou dois esquerdos., que além de tudo, normalmente eram de tamanhos diferentes.
Brinquedos? Que nada! Eram uns cacarecos, nada inteiro. Coisas que, crianças maia afortunadas tinham deixado de lado por imprestáveis e que, no entanto, faziam a nossa alegria.
Em um Natal, houve uma doação de guaraná Caçula. Nunca tinha visto aquilo. Tomei um gole e achei a aguinha mais gostosa do mundo. Como já disse: lá, tudo era NOSSO e duas mãozinhas mais espertas que as minhas, levaram a garrafinha deliciosa.
No dia seguinte, não saí da cama e só chorava. A tristeza tinha tomado conta de mim. Como sempre fui muito alegre, logo consegui chamar a atenção.
-Você sabia que, menina bonita não chora? O que fizeram com você?
-Nada! A Tània roubou de mim aquela aguinha que eu ganhei, na garrafinha. Eu gostei muito e queria tomar mais. Só isso!
Não tardou para que o médico me trouxesse, escondido, o refrigerante.
Até hoje, sou fã do guaraná.
Meu vestido, como era lindo! Meus brinquedos, meus sapatos que, pela primeira vez calcei certo, pois não havia outros, para eu me confundir.
Na mesa tinha guaraná.
-É meu?
Eu não acreditava no que estava acontecendo.
Naquele DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA, conheci a palavra MEU.
Hoje, ainda sou corrigida pelo meu marido, porque digo muito, a palavra MEU e ele diz: NOSSO.
Hoje, sou casada, tenho três filhos e uma neta, que me trouxeram muitas alegrias. Mas, aquele dia 26 de dezembro de 1960, foi um dia que jamais esquecerei.