O silêncio começou a surgir e medrar nas fendas, nas paredes da casa e eles não sentiam. Não podiam sentir, pois seus olhos estavam voltados para outras visagens. Estavam anestesiados porque não se permitiam ouvir o som das cachoeiras, não mais o canto dos pássaros; só se permitiam o que estava sobrescrito à s suas almas antes prenhas, obscenas de sonhos e cantorias. Sem qualquer farfalhar, o silêncio foi se apossando daqueles cómodos, antes habitados de uma alegria imensa, coloridos da luz de toda uma vida, mas aí nas gretas da vida, a muda transparência tomou conta, devagar, infinitamente devagar, inexorável e permanente.
As vozes teimavam em sair, mas das bocas nenhum som se desdobrava nas cantigas de outrora. Onde antes o sorriso, agora o olhar tisnado, sombrio e sorrateiro. Onde os gritos da infància se permitiram agora o suave destino de todos a eles se impunha. Estalavam os ossos na espera do inevitável e a esses ruídos se somavam os bruscos assomos do mutismo, da ausência de música, do vácuo obscuro. Como um amálgama de estranhas peças azulejadas, estava lá a matéria escura, mais pesada que o ar que a compunha, a brónzea estátua do não-dizer esculpida no alto da escada do templo.
Os edifícios tremiam no calor da tarde, mãos se crispavam cobertas de suor, bocas nos anúncios de dentifrício esperavam beijos que nunca vinham, olhos fixos num horizonte que nunca se punha, corpos que não se cansavam de ser expostos. A tudo isto, o silêncio constrangedor, arrebatador, esmagador se impunha. Ninguém se apercebia, eles não perceberam quando a matéria do não dito e da muda expressão tomou de assalto os jardins de suas casas, deixando os cachorros em sonolenta procissão; ninguém se deu conta que o não ouvido jamais se faria ouvir de novo.