O lugar em que fico é abafado. Mal posso respirar, minhas colegas me oprimem. Sair só depois que as luzes se apagam. Daí posso ver o que quiser, posso escapulir para minhas caminhadas nesse zoológico. É um zoológico, são realmente dignos de pena. Fico pensando, vendo daqui de onde os vejo a todos. Que pensam que fazem? Nada mais importa mesmo, então, porque se esfregam tanto? A moça, ali, que eu sempre espiono quando ela entra, toda serelepe, para conversar com o rapaz que fica no balcão. Dois minutos depois está sentadinha no colo dele! Emite estranhos sons na penumbra e olha que eles estão com um monte de pessoas em torno! Se é que se podem chamar de pessoas o aglomerado de seres vazios que dorme um sono invencível, num lugar cheio de luzes estranhas. Ela balança no colo do rapaz até que num instante tudo termina...É um zoológico, depois se diz que eles dominam o mundo. Eu a acompanho, de onde a vejo, morena, bem fornida, cabelos agora soltos...A primeira coisa que faz é pegar no telefone.
--Aló? Lurdinha? Nossa, vou te contar uma coisa. Você não vai acreditar!
Um zoológico, fica se gabando de mais uma vez, mais uma conquista (outro dia foi com outro moço, eu vi). Enquanto isso, daqui de onde os vejo, os dois gordinhos ressonam desbragadamente enquanto os olhos verdes se fixam em minha presença lá debaixo. Deve estar pensando, lá vem ela de novo! Charles Darwin vai nos dar razão quando tomarmos destes corpos errantes os postos de dominància. São caóticos, desperdiçam tudo, se esfregam a toda hora, vivem dormindo por horas. Nós aqui, trabalhando na escuridão, medrando onde eles jamais imaginariam. Toda uma civilização brotando bem debaixo de seus narizes e eles jamais imaginariam! Um zoológico ridículo, isso é o que é.
No silêncio eu me comunico com os outros. Hora da refeição. Hora de ver os corpos de perto, alvos, pálidos, fedorentos. Hora de percorrer as grutas nos rostos, as fendas nos buracos incautos. Toda uma civilização brotando à espera de que eles vacilem, todo um mundo minúsculo que vive à sombra de seu poder imaginário.
Ah, lá vem a moça de novo. O rapaz lê algo mas assim que ela chega, plaf, vai o livro para o lado e ela desta vez senta de frente nele. Uau. Vai ter mais o que contar para a Lurdinha. Aqui, eu vou percorrer um jardim de delícias. Vou andar por sobre a pobre moça pálida, vou beijar a boca do menino que caiu da laje. Vou conspurcar a intimidade da velha senhora que está na fila dos mortos.