Durante a manhã, bem naquele momento em que o sonho se mistura à realidade, no instante exato em que real e ficção se intercalam (pois que objetos se mesclam em uma sinfonia de sons metálicos), acordamos e preparamos a roteiro de mais um dia de trabalho. Sigamos o rumo de uma antiga estrada, trilhada por nós sem hesitação. A luta já começa ao descermos da cama: Um tapete pode querer nos puxar para mais algumas horas de irresponsável repouso, mas não! Heróicos, equlilibramo-nos e nos damos conta do adiantado da hora. Mais um sabotador: O despertador que afina seus ponteiros como bigodes, numa risada que se oculta em suas redondas formas. Depois ele me paga...
Caminhar, caminhar, pode ser o melhor caminho para... Para trabalhar, digamos em bom e alto som. As toalhas pujantes nos contemplam, a nós e à nossa miséria corporal. Elas nos fitam em seu felpudo silêncio, temerosas do que vão encontrar em nossos vãos mais recónditos. Uma delas se envergonha de nossos ruídos, a outra: Companheira inseparável que sabe de nossas impressões digitais, de nossas incertezas, de nossos melhores humores.
Ah, o Espelho: Nosso fiel escudeiro, nosso pior amigo. É aquele que nos diz de nossas diferenças, a consciência de nosso passar de eras. Nele repousam nossa alma e nossas mais tensas esperas. Ele sim nos olha com implacabilidade, tenso em seu reflexo anódino. Ele nos diz de nossa guarda baixa; nos fala de nossa extrema derrota diante do tempo.
O vapor se eleva. O banho se avizinha, o tempo se torna exíguo. É hora de se revelar para o mundo. Hora de se inteirar de nossa pequenez, mas de revisar pequenas rotinas; de cuidar de nossa esfera pessoal. Um halo de perfumes, uma onda de prazer nos invade enquanto a a manhã cresce lá fora. O sol já forma franjas nas telhas da casa, pássaros se perguntam se aquele é seu dia extremo ou se ainda viverão por séculos. Tudo estala porque de novo uma cavalgada se insinua. Inalo o ar de dezembro, impregnado de suores da primavera, não sem antes conferir o que me espera em papéis que nunca lembro onde estão. Descubro os passos do dia em pequenas pegadas que você me deixou, na noite passada. Sigo os seus rastros e esqueço-me de mim um pouco, porque a franja já se torna em cascata de luz e os bem-te-vis em revoada se perguntam se eu os olho sem ver, ainda.
As toalhas, jogadas a um canto, repousam de sua longa tarefa ingrata. O espelho guardou minha imagem derradeira. As xícaras tilintam ainda com os meus dedos cheios de nódoas. Minhas marcas no mundo se adensam. O próprio alvorecer se mistura à minha sombra.
Dou a partida em meu carro: mecanismo monstruoso que me leva à s mandíbulas do infinito.