Meu professor de direito constitucional era um conhecido político pernambucano, morto tragicamente num acidente aéreo, até hoje não elucidado. Sua alcunha, atribuída a seus adversários políticos, fazia jus ao estilo de penteado que usou durante muito tempo. Advogado militante, citou numa aula, certa lei do ocupatio, que, sob minha estranheza, explicou claramente: "ninguém tem o direito de apanhar uma concha no mar" (sic).
Apesar de ter lido MONTESQUIEU, para sair da ignorància ("Espírito das leis"), não me vi convencido o bastante a entender ou aceitar o conteúdo dessa tal lei, provavelmente contemplada no direito romano, praticado neste país.
Porquanto jamais me passar pela cuca, tornar-me um dia advogado, hei de reconhecer que o estudo do Direito, qualquer que seja, é de extrema importància para a conduta do homem e para a sustentabilidade da verdadeira democracia.
Fosse eu um advogado, faria de tudo para preservar a ética que se me é obrigatória e o direito de exigir-me altivez e independência, escorreita conduta pessoal e conhecimento bastante para garantir o sucesso da carreira.
Não foi porém isso que observei durante o tal caso Eloá, como ficou conhecido o julgamento no tribunal do júri em Santo André, condenando um metalúrgico a quase um século de regime fechado. A advogada de defesa, suposta descendente de libaneses, ainda que tenha demonstrado empenho técnico-científico como exigido, teria sacrificado sua carreira de tantos anos, ao ofender a magistrada presidente do júri, de forma um tanto intempestiva?
(E aquela atmosfera de dançarina de flamenco, teria tudo ou nada a ver?)
Corporativismos à parte, a OAB, guardiã do exercício profissional de seus associados, veio em defesa da causídica, embora não com tamanha intensidade, a ponto de evitar que a juíza do caso representasse a incauta senhora advogada Ana Assad, num futuro processo por desacato e injúria.
Visivelmente instruída pelo seu foro íntimo a tornar-se estrela da causa que defendia, a infeliz senhora advogada, fez exatamente o contrário da promotora, que, de modo discreto e altamente profissional, convenceu os jurados para o previsível, o que, para leigos em geral, seria uma zebra, fossem assistir ao inocentamento do réu.
A mídia, exercendo seu papel de fato e de direito, deita e rola sem nenhum pejo ou constrangimento, haja vista ter insistido através de um dos canais, para entrevistar depois do resultado, a advogada "perdedora", o que seria o golpe fatal em sua carreira, para mim já tão combalida até aquele ponto do episódio. Mas não é assim que a banda toca. Em certos casos, o advogado de defesa, com ou sem trunfos sobre os autos e seus ditames e paràmetros, pode muito bem "sofismar" de maneira singela, os caminhos e descaminhos que culminarão ou não com a vitória final.
Para um fervoroso acadêmico de Direito, a estratégia de esconder os meandros dos autos sob certo aparato, faz parte do rito julgatório e, com efeito, pode ou não desencaminhar o objetivo de sucesso da defesa, ainda que não seja de todo consciente por si só.
A maioria da prudência jurídica sabe, até prova em contrário, que não haveria nenhum gênio do direito que pudesse convencer qualquer conselho de justiça, a inocentar alguém com aquele perfil de culpabilidade ipso facto.
Exceto se e somente se, fosse o causídico, um gênio do Direito, um lídimo e consequente Hobbes ou quem quer que dominasse a batuta de Demóstenes.
Eu pessoalmente assisti a todo ou a quase todo o rito, não interessado no output, (mas no throughput), isto é, na decisão final, já um tanto esperada pela turba ignara, postada fora do prédio do tribunal.
É que, como o nobre e régio leitor já sabe muito bem, de cor e salteado: pimenta no dos outros é refresco.
Um detalhe ao menos para mim ficou assente e definitivamente confirmado: a justiça brasileira não tem infra-estrutura que se a sustente. Como administrador, eu diria mesmo que, sem querer parodiar o velho e reacionário, porém sábio Peter Drucker, estudioso da administração científica: sem planejamento, pessoal suficientemente preparado e objetivos bem dispostos, a gerência de um negócio, vai mesmo pro beleléu.
Os juízes, quase todos concordam, são e estão preparados para a lida cotidiana, mas o meio-ambiente que os rodeia é de todo medieval e aquém dos objetivos aos quais se destinam. Certa vez comentei isso tudo com um juiz de tribunal de pequenas causas e ele, muito gentil e simplesmente, concordou de pronto.
O sucesso de um negócio está principalmente na harmonia dos seus meios a fim de atingir os fins harmoniosamente.
O resto, como diria ainda o velho e americanizado Drucker, é apenas marketing ou merchandising.
E, para corroborar, ficou muito claro e patente em toda a odisséia de mais de cem horas de trabalho, quase estafando a magistrada, que se postava ali apenas para gerenciar um rito jurídico e não para servir de chacota ou, ainda, quase exaurir-se pela temperatura ambiental, ao preterir um mínimo de calor humano.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe, 19.02.2012