A água cai em ducha sobre o corpo liso e escorre solta pelas dobras, nos seios e no rosto da bela Karinne. Eu a vi de relance, em uma noite fria e seca, num bar de solitários. Ela estava sentada diante de mim, em uma mesa com um vinho seco, um cinzeiro vazio e suas mãos sobre a toalha trabalhada que o caprichado lugar oferecia. Mãos nervosas que estudavam uma espécie de partitura, olhos de uma cintilância azul percorriam ávidos as páginas. Será que ela cantava em mente ou era minha imaginação ver seus finos lábios se contraírem em um mantra inaudível? Eu saboreava a visão de seus dedos finos percorrendo as notas da partitura e era como se eu soubesse que ali estava um canto em gestação, ali nascia uma nota de um dó profundo ou um ré menor que encheria o ar de doce luminosidade. A luz se refletia em um cálice distante e o vinho descia em goles discretos e suaves como a pele branca e lisa de seu pescoço. Ave canora, laudamus te, eu ouvi em seus lábios uma flor se formar, laudamus te, sacro santo corpo do senhor e em meu copo de vinho eu sorvi o sangue do cordeiro enquanto Karinne, a suprema ovelha, batia nervosos dedos finos e pálidos sobre as escrituras antigas e rabiscadas do papiro que a enlevava. Ludamus Te, Magdalena Kozená laudamus Te, olhos leves e azuis e a voz como pássaros de fogo brotando de profundas gretas, laudamus te, e num momento eterno, eu lamento nunca ter podido chegar ao extremo de ver sua harmonia brotar quase que de meu estômago. Seria Magdalena Kozená que eu ouvira furiosa, pensando num parto que nunca haveria porque eu, seu agente, jamais permitiria que ela me deixasse , isso seria impensável, sem discussão.Ela continuava ali, quase diáfana, deslizando ora para lá, ora para cá, Laudamus Te, sagrada voz que se distancia dela em ondas reverberantes e como que misturadas em estranhas fragrancias invisiveis... O perfume vinha ...A voz subia , oscilava tensa num momento, quase numa ruptura no outro, Laudamus Te Karinne, e eu apenas observava e ouvia Magdalena, ouvia Karinne num enlevo, ouvia seus suspiros e cantos, em uma luta infindável...Laudamus Te, Karinne.
|