Em frente a mim, duas maritacas me olham de esguelha, murmurando algo entre si. Não sei se gostam de minha barba mal-feita, ou se ambas dialogam acerca de serem meus cabelos tingidos de cinza, nesta manhã em que o sol vicejou finalmente no cristal azul e ventoso desse começo de primavera. Sei que elas, ali, andam na grade de um lado a outro, esperando um diálogo impossível com este ser de aparência difícil que vêem com seus olhinhos de sábia liberdade. Fico a pensar: Quem é mais livre? Nós, aferrados aos círculos de poder e glória de nossa existência cercada de confortos ou as maritacas que a qualquer momento podem voar, olhando do alto nossa dita...civilização? Hein?
Deve ser isso que elas maquinam em seus cerebrozinhos, lá entre elas, em voz baixa para não me assustarem, pois capaz sou de sair correndo para dentro da caverna onde vivemos apinhados, uns sobre os outros, nestes ninhos de concreto onde cada um vive como quer o sistema, onde cada um sabe como acender a luz e eu definitivamente não tenho a mínima ideia de onde escondi a minha vergonha de ser condescendente com tudo isto que disse, ou melhor, que comentaram as maritacas. Vejam bem, elas é que murmuram lá entre elas, a baixa voz, à meio-bico:
--Patético.
--...Aquilo é vida?
--...Vivem em cavernas que, à luz desse sol, são escuras.
--...Roncam em seus covis.
--...Soltam pum no elevador.
--...Buzinam nos faróis.
--...Se entopem de lixo.
--...Patético. Mas será que ele tem, ao menos, uma bananinha?
Danadas, cochicham entre elas mas sei bem o que elas querem. Querem banana, que é o mínimo que eu lhes posso dar para agradecer este momento de comunhão com o que ainda temos de natureza, a doze andares do solo estúpido que nos assenta nessa terra desolada.
Lá vou eu. Banana nanica, que elas adoram.
Seus olhinhos faíscam quando elas voam de volta aos seus maravilhosos ninhos.
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