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cronicas-->Que é feito do Dorinato -- 12/10/2013 - 07:43 (Brazílio) |
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O primo Zenrique aparecia lá em casa de vez em quando. Vinha de São José da
Varginha, hoje cidadezinha, mas antes, mero arraial. Ainda rapagote, já viajava
sozinho, era bem falante, de expediente. E contava suas lorotas.
Hospedava-se na casa de Vovó, nossa vizinha, e tratamento privilegiado era o que
tinha. Tia Rita lhe reservava um quarto, botava-lhe jarro esmaltado e baciinha para
as abluções, além da roupa de cama e banho limpinha e engomadinha.
Quatro anos mais jovem, e ainda pirralho, minhas contorções pela atenção do
primo sempre se baldavam. Mas eu não me dava por vencido. Ficava beirando. Só
de atrevido. Ainda que esquecido.
Um belo dia ele, acabado o café da tarde, servido com bolo e biscoitos de polvilho,
ele se dignou a nos ensinar como caçar à mão mosquitos que disputavam as
migalhas do repasto. Seu truque consistia na concentração, feito a aranha
mosquiteira, e o ataque traiçoeiro, pela retaguarda, rápido, implacável, até fazendo
uma curvinha com a mão que vinha. E não falhava. Era zás e trás.
Contava pras tias suas peripécias com cavalos, com colegas, suas farras, suas
refregas. E pelo tom de sua voz, a vizinhança na certa podia também acompanhar
suas aventuras. E as moças já davam sinais de sua presença, mandando
recadinhos, piscando olhinhos e outros gestos menos ou mais comezinhos. Afinal, o
primo Zé levava um jeito, ainda que juvenil, daquele que como o vento, levara o
coração de Scarlett O´hara, o Clark.
Um dos que mais padeciam em suas descrições era o Budega, um pobre coitado
que vivia vagando pelas quebradas varginhenses. Tinha alguma deficiência e,
aparentemente, era a rua, sua residência. Outro muito falado, e aparentemente
respeitado era o Dorinato.
O tal Budega, cheguei a ver uma vez, brevemente, num passeio nosso à Varginha.
Justificava a fama, e seu drama. Já do Dorinato, nem rastro notei.
Anos depois, no Seminário em Divinópolis, onde me enclausurei por dois anos, vi
sinais do Dorinato inscritos no pátio da instituição. Era só o nome. Não cheguei a
indagar aos colegas veteranos lá, provindos do Pará de Minas, ou de Florestal,
cidades vizinhas de Varginha, se aqueles registros haviam sido feitos pela
personagem dos contos zenriquianos, se ele, ou um seu homónimo havia também
passado pelo seminário. Não sei porque razão deixei de inquirir ao longo daqueles
dois anos, que davam bem uma visão da eternidade. Principalmente quando se
iniciavam as infindáveis litanias de maio, as Rogações.
Quarenta e poucos anos depois, sem paradeiro certo do primo Zenrique, sem a
destreza doutrora pra caçar mosquitos, e sem Vovó ou as tias que nos cercavam
com afeto, volto a procurar pelo Dorinato. Sei que pelo menos após a publicação
deste texto hei de encontrá-lo, sempre que acionar o mecanismo de busca deste
sítio. Junto com o Budega - e o primo Zé. |
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