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cronicas-->Borra de Vinho -- 21/10/2013 - 00:18 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela estava desperta. Nada a fizera dormir. Nem o calmante, nem o programa que espalha cinzas no éter, nem o pastor que declara a quem seja que a vida verdadeira não é essa, nem a próxima. Ele a ferira tanto, mas tanto, que todo o encanto se tornou sua pior fera e ela, de bela, se olhava ao espelho que lhe contou um, duas ou três vezes quem ela pensava que fosse. Nada disso, vinho não dá certo, vai que erra a dose! Ainda mais desses vagabundos que têm borra no fundo da garrafa. Ligava ou não? Confessava sua falta, o sentido da falta que ele lhe dava ou esbofeteava o indigno com luvas de pelica?

Não, ainda não será dessa vez que sairá o rei do labirinto. Lá no fundo da superfície, consegue enxergar a pontinha de olhar que ele lhe deixou. Uma migalha qualquer, uma amostra de um seco beijo indecente. Ela definitivamente não era mulher de amostras grátis, muito menos de afetos miseráveis. Ainda não será desta vez que ela, passando as mãos sobre as faces pálidas de solidão, se remoerá em doces suspiros, sabedora do abismo que ele lhe lança toda vez que se sente só.

A bebida lhe deixa um travo amargo, a borra no fundo da taça lhe deixa um murmúrio inaudível. Traga só a garrafa, ele lhe diz; levo minha roupa em pelo, ela se exime. E vai e pega o telefone de graça. Disca ao léu e atendem os bombeiros. Ela os chama depressa.

Ainda não será desta vez, porque ouve, meio exausta, as sirenes tocando ao longe e as buzinas que paralisam as avenidas. Logo estacionam três viaturas e repentinamente, abrem a porta de seu apartamento usando a força! Ela cai estatelada.

--Moça, aonde é o incêndio??

Ela, com as mãos no peito, apertando fundo, olhando nos olhos do oficial, diz, para quem queira ouvir:

--É aqui. Bem aqui.
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