Sempre soube que um dia ia dar nisso, cair num conto do vigário. Só não contava com isso, o próprio se vingar de mim e adquirir ares de si mesmo , sair por aí como um nariz maluco ou uma perna mecânica rebelada contra seu dono. Imaginem a cena: Repentinamente a perna mecânica dá um nó em seu dono, derruba-o célere e sai correndo, um saci às avessas ( sim, porque nesse caso, não é o saci, é a própria perna que salta em espasmos, de maneira irreverente e vergonhosa) e vai namorar outra de moça, em outras plagas enquanto a dona cai prostrada em areias mais movediças. Deus do céu! É o sinal dos tempos.
Pois não é que eu escrevi um conto e esse saiu de meu controle? Eu começava a falar sobre um certo caudilho, conhecido meu que costuma sair do equilíbrio quando bebe mais um pouco ou como sempre, um pouco demais. Ele costuma se animar com assuntos caudilhescos, como o domínio do mundo, o controle do mal e do bem, idéias furibundas que tem quando ergue mais taças do que pode. Então, ele começa na fase de discursos a chorar e com lágrimas, abraça-nos a todos. Nessa fase ainda se o suporta. Porém, quando passa de mais umas taças ou cálices misturados, passa à fase seguinte, que é a de propostas indecentes e ai da musa que se lhe passar na frente. Devido ao seu complicado estado neuronal, passa a mão em pudendas partes, sem dó e/ou vergonha. No entanto, elas já o perdoam (coitado, é assim mesmo, custa nada deixar que passe suas mãos em calorosos movimentos).
A fase seguinte é a que preocupa e é disso que trataremos aqui, porque foi precisamente nesta fase que o dito caudilho extático passou do ponto e pulou das páginas do mero suceder e virou poema vivo, como diz uma amiga minha. Passou da palavra à ação, à práxis. Começou com a elaboração, junto aos caudilhos todos que ele reunira num canto do conto(porque os contos têm cantos obscuros, como os desvãos que os produzem) e lá, nada tolos,eles elaboraram uma estratégia que consistiria na tomada progressiva do poder pela palavra enxuta. E mesmo lá, nos cantos, conseguíamos divisar o faiscar dos olhos de esguelha e um outro já se afastava como a fazer ação evasiva. Um aqui, outro lá, de repente sobrara o nosso caudilho imaginário, sentado só na mesa, traçando os planos de ocupação literária pelo norte, porque os outros pontos cardeais já haviam saído para sua tarefa árdua. Um deles ia caudilhar a Academia. Outro procuraria caudilhar suas palavras nas esquinas e ao invés de exibir movimentos acrobáticos, faria movimentos poéticos. Mais um deles se incumbiria de tomar as ruas com panfletos indecentes de antropofágicas questões.
Já o nosso caudilho atônito tomava seu rum, olhando de lado, cigarro na boca, fixamente deixando claro que por um pouco mais pularia em meu pescoço, esse que amedrontado vos escreve.Pois bem, ele pulou daqui ao mundo. Ele é o mais perigoso dos sete cavaleiros que pularam para o mundo. Já não esconde suas intenções; pretende povoar o universo de loucas poesias, de Mallarmés, de Rimbauds e Baudelaires. Louco, louco louco. Acreditam em tanta fantasia? Ele passou por mim agora e deixou em mim a sensação de vazio. E eu me vejo lá em sua mesa, com o mapa fantástico nas mãos, planejando meus passos agora, enquanto ele e os seis companheiros aspergem poesia pelo mundo.
Essa é a questão. Devo controlá-los ou devo aqui passar dos limites e conter nesse copo de rum, ou gin, ou qualquer coisa, conter no momento o que nos cabe e com meu cigarro acobreado de velho, devo me retirar para a origem de tudo, ao fundo do escuro bar e dormir em minha posição preferida?
Não o sei, deveras.
Procurem-nos. Vejam o que podem fazer. Dobro o mapa poético. Ele brilha nas nuvens da manhã que se insinua. O orvalho tem gotas de dor e alegria.
Enquanto isso, pula um dos cavaleiros travestido de palhaço poético: De seu chapéu brota um jardim em flor.
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