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cronicas-->O Profeta -- 22/04/2015 - 20:22 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Achei um manuscrito misterioso, deixado num caixote de papelão próximo ao centro da cidade e São Paulo, bem junto às ruas que conduzem à Cracolàndia.
Estava ali, jogado, escrito em um papel que se assemelhava a um papiro, em letras só a mim inteligíveis, pois que, ao levá-lo perto de um espelho, ví que tinha sido escrito ao contrário, a pensar que fosse um documento que se devesse ler de uma forma respeitosa.Reproduzo parte dele aqui, desde que não o leiam já; esperem um pouco, afinal, assim de chofre não se toma um tiro.
Lá vai:
"Andei pensando sobre os significados e o que rege nossa vida, toda essa vida; achei vacuidade, fátuos fogos. Achei mendicància emocional, gratuidade de expressões. Encontrei a violência, seja a implícita em todas as relações humanas, seja a mascarada nas formas verbais empregadas em sociedade; encontrei o império da ignorància e a cultura do desassossego, tão farta em nossos dias.
Nada pode parar, tudo o que se move é o que progride, dentro desse pensamento que torna nossos dias de uma execrável melancolia existencial. Somos produtos ou subprodutos de uma civilização positivista, arrogante e que tem o dom de se achar a supremacia do infinito desejo, quando não passa de uma lamentável série de equívocos baseados em valores que só se transmitem, à toda sorte, para cada vez mais indivíduos que se estigmatizam, se mostram, se expõem em relevos cada vez mais penosos. Nada mais fácil que a exposição prolongada que gera a rapidez com que se consome a chama viva do que se dizia ser a alma, essa substància que se volatilizou, de vez que apenas o corpo parece ser o mecànico produtor e secretor de tudo o quanto há de real e ilusório.
Não passamos de máquinas de sonhos contraditórios, sangue que verte de uma caixa cheia de músculos e nervos e que acaba num saco de excretas e poeira. Segundo estes filósofos, o material se antepõe ao espiritual; segundo eles mesmos, nada mais há que a vã consciência da carne e que, quando esta acaba, tudo em real termina; isto é, em Nada! Nada absoluto, circunvoluções cerebrais que carregam elétricos impulsos gerados pelo nada e pela vacuidade, moléculas enxutas que se desabam umas sobre as outras, num delírio de genes sem destino. Há, é claro, um destino: Chama-se...
Como se chama mesmo? Qual é mesmo o significado de nosso destino? O símbolo dos sonhos traz de volta nossa mais profunda palavra, antes mesmo do grito primal que enche os corredores das maternidades, enlevando a nova mãe que se apressa em amamentar mais um indivíduo que nasce; pobre nascituro, destinado que está à fragilidade de suas concepções, a ideologias que permeiam tudo, e mais além, e mais além ainda. É quando os olhos do homem se viram aos céus que ele realmente encontra o que perdeu, e foram fotografias de um instante que já se foi. Dentro dele, há uma infinitude de conceitos e ele os despoja, despreza seus mais íntimos anseios, sacraliza sua vicissitude e eterniza o horror dos holocaustos todos a que se propós em milhares de anos de história.
Haverá o que defender?
Teremos como nos haver com o nosso passado tenebroso e fugir do futuro nebuloso a que nos conduz nosso temível presente?
Não, não faço aqui a apologia do temor universal e muito menos prego a não-existência, discordando que o maior mal do Homem é ter nascido; temo ser classificado de niilista, ou pior, de um falso profeta e de um pregador subversivo e inútil. Falo às massas que de amorfas nada têm! Aqui emprego a palavra luta, em primeira essência, mas não a luta encarniçada que se pode depreender dos materialistas históricos, e sim da luta do Homem contra sua própria essência dantesca. Todos sabemos de nossos elos e fraquezas; não o nego ( mesmo eu as tenho as minhas).
Faço aqui um apelo a vossas insurreições secretas; faço aqui um apelo aos movimentos mais sutis da natureza humana, os mesmos que ditaram os rumos dos olhos que se fundiram às estrelas, mesmo que de fato elas já não mais existam.
Essências de todo o mundo, uní-vos!"
A partir daqui, havia um chamuscado, sugerindo que tal documento havia sido barbaramente queimado, sem piedade nem apelação.
Gostaria de saber de vocês se conhecem autor de tal mensagem.
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