--Sobre o que você está pensando, agora?
--...
--Não vai dizer?
--Não penso em nada nesses momentos.
--Como assim? Fica aí, de olho parado feito peixe morto, vidrado em um ponto infinito, eu aqui ansiosa e você, nada, nada se passa?
--...
--Ah, já sei. Não quer dizer nada porque lhe falta coragem. Eu é que meto a boca mesmo, eu é que digo as coisas que me vão dentro; você fica aí nesta contemplação budística, entregue ao sonho e eu aflita com o que vai vir à frente.
--Quer saber então o que me vai na mente neste momento, agora, como um flash de meus pensamentos?
--Por favor, querido. Tenha coragem. Bem venho notando esta estranheza, eu sei quando você quer dizer algo e fica, digamos, emperolado. Fica assim com cara de ostra e eu aqui, roendo-me de ciúme.
--Ciúmes?
--Ah, porque só se pensa muito naquilo que não se pode ter; só se faz de peixe morto quem já boiou em outros aquários.
--Hein?
--Se não for isso, o que pode ser?
--Pode ser que eu esteja pensando na materialidade ilusória; mesmo os mais leves pensamentos são ações eletrofisiológicas, de meros impulsos sinápticos; se você pensar em algo e fechar seus olhos, claro que sua realidade será o ilusório, o pensamento será sua ação e sua vida poderá então mudar de visão. Sua vida será sua vida interior, simbólica. Há que se explorar a simbólica do seu mundo interno, para que cada um deles( os símbolos) tragam o real significado e sua verdadeira dimensão.
--É nisso que pensa, agora?
--Não, agora há pouco.
--Quando?
--Quando fiquei com cara de peixe morto e você disse que eu devia estar nadando nas águas de outra bóia.
--Aquário.
--Ah, sim.
--Passa o controle da televisão?
|