Na calada da noite, ouviu-se um roufenho grito: era o ferreiro em grosseiras palavras com sua esposa.
--Já lhe disse: Cale-se.
Também na escuridão da noite, ouviu-se murmúrio no canto de uma rua escura; era o bêbado que dessa vez não tinha equilibrista, tinha sim um gato ladrão que lhe roubara um bife usado e mal-passado.
--Maldito!
Também na treva do quarto, entre perfumes de um banho recente e a luz que ainda deixara um rastro nas paredes, um apaixonado marido se achegava à companheira que assim dizia:
--Não começa!
Insistindo na escuridão de um dia findo, tudo se sabia naquele cortiço, mas à sombra de um mortiço abajour, meio trêmulo em sua tentativa de luz amarela e barata, ouviu-se a voz do pastor que, inconformado com a falta de fé de um casal ao lado de seu quarto, praguejava em alta voz:
--Luxúria!
Sabedores de que o silêncio é da alma dos mortos, que nunca voltam, e cientes de que sua sapiência é a melhor de todas pois que nunca reclamam; e de que os ratos que andam entre os túmulos são espertos feito relâmpagos e os cães vadios vez em quando roubam uns osso para roer de modo sub-reptício, os coveiros, de pás nas mãos, suados em testa, param o serviço.
--Toda festa termina aqui; o pior de tudo é que esse silêncio todo me dá nos nervos. Decididamente, dá nos nervos. Você, não?
O outro, meio capenga de uma queda que remonta à infância, enterra a pá no chão mole e úmido.
--Fecha a matraca e passa a bagana. Porra, e ainda vem com filosofia. É mole?