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cronicas-->Algodão-Doce -- 06/06/2001 - 16:20 (•¸.♥♥ Céu Arder .•`♥♥¸.•¸.) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Criança ainda, lembrei-me de uma mulher, vizinha nossa, que ficava comigo quando mamãe precisava ir à cidade resolver algumas coisas. Essa senhora estava quase sempre com um semblante emburrado, nada simpática.
Certa vez, como ela estivesse com o humor mais acessível, perguntei por que parecia sempre zangada. Ela me disse uma frase:
"Sou anti-social".
Indagada por mim sobre o significado de tal expressão, ela me disse que é quando a pessoa não gosta de seres humanos.
Intrigada e um pouco assustada diante de tal resposta, eu apenas balbuciei um "Ah... bom!"
Chegando a casa, fui logo peguntando:
- Eu sou um ser humano, mamãe?
- Claro, filha. Por quê?
- Por nada. A partir de hoje, eu prefiro que você me deixe em casa. Não quero mais ficar com tia Dalva. Ela é anti-social.
Minha mãe arregalou os olhos, como se não acreditasse no que ouvia (eu tinha apenas seis anos de idade):
- O quê???
- É sim, mamãe, ela me disse que não gosta de seres humanos, por isso não fico mais lá!
Minha mãe,com a meiguice costumeira, explicou-me:
- Uma pessoa anti-social, Milene, é a que mais gosta de seres humanos, mas pensa que os outros é que não gostam dela e e só querem enganar. Essas pessoas tão carentes são criaturas que não têm confiança em si mesmas e acabam por transferir isso para os outros.
Disse-me, ainda, que a tia Dalva precisava muito do meu carinho, para não ficar ainda mais triste do que já era.
Lembro-me que apesar da tenra idade as palavras de minha mãe ficaram gravadas em minha memória. Continuei ficando com a vizinha, que era solitária. Não tinha filhos. E o marido passava a maior parte do tempo viajando, a trabalho. Percebi que a casa era muito triste e sombria, com as janelas constantemente fechadas. Olhei para aquela mulher de outra forma; já não me assustava. Ela precisava muito de mim, da minha alegria... Esperei que se livrasse de seus afazeres domésticos e pedi-lhe:
- Você tem cabelo tão bonito. Posso fazer um penteado moderno?
Ela, tomada pela surpresa, ficou parada, sem saber o que dizer. Aproveitei o descuido, peguei a escova e comecei, com muito jeitinho, a alisar aqueles cabelos negros e sedosos. Penteei-os quantas vezes pude, até ficar com os bracinhos cansados. Depois, peguei o espelho e mostrei o meu "trabalho", tendo o cuidado de fixar bem o seu rosto. Senti que uma onda de ternura havia modificado o olhar de tia Dalva. Cheguei a vislumbrar uma pontinha de felicidade naquele rosto, já não tão sisudo, pela solidão e abandono.
Pensei, na minha inocência, "Por que os adultos se casavam, se um deles tinha de ficar tanto tempo distante?
Mas essa resposta, eu só tive mais tarde. Fiquei sabendo que tudo era por causa de um , não sei se "mocinho" ou "vilão", tal de A-M-O-R... Embora aceitasse as "evidências", nunca consegui convencer-me de que em nome do amor, certas pessoas ficassem amarguradas e destruíssem suas vidas. No meu entender, amor
só combina com FELICIDADE...
E como tudo tem o seu lado "pedagógico", a palavra "anti-social" passou a fazer parte do meu pequeno vocabulário. Não esperei muito para aplicar tal conhecimento. Foi no dia em que passava em nossa rua o homem do algodão-doce.
Pedi ao vovó dinheiro para comprar-me um e ele fingia não ter me escutado. Insisti:
- Vó... Vó! O moço vai embora... Vó?
Diante de minha insistência, ele deu um grito.
- Não me amole! Essas bobagens estragavam os dentes!
Diante de resposta tão irritadiça, eu me pronunciei bem grave:
Você é um anti-social, não gosta de seres humanos!
Vovó ficou tão abobalhado com a minha atitude que nem discutiu mais.
Meteu a mão no bolso, estendeu-me o dinheiro e disse:
- Vai lá e compra dois, um para você e outro para mim...
- Mas você acabou de dizer que algodão-doce estraga os dentes...
E o meu velho avó, risonho, piscando um olho azul:
- O doce estraga. Mas... o algodão limpa!
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