Engraçado às vezes. Espremo, espremo, nada de leite e nem de água das pedras; talvez de ferida curada, foi-me a inspiração. Sobrou-me o mel das solidões ensimesmadas, o silêncio absoluto das noites frias, o tremor da água gotejando, gotejando, gotejando, gotejando, gotejando. Ou o vento que bate a janela, remexe nas árvores e seus galhos, na insônia indiferente ao açoite. Há tristeza maior que a das árvores na noite? Sem sol, sem folhas e no frio, ela olha para baixo: Sob sua copa ressequida, há um carrinho de papelão e madeira. A água goteja, goteja, goteja na cabeça do homem hirto e gelado, medonho de feio, encurralado sob a fronde de uma fria árvore no inverno; eu espremo, espremo e não consigo dizer mais nada, exceto que tenho dó e tenho pena, porque ali jaz um homem, morto de frio, cercado de papelão e madeiras, sob uma árvore de galhos secos, batida pelo vento da solidão na noite sombria de um inverno tenebroso e eu não faço nada senão lamentar que nada sai de minhas mãos senão isto. Nada. Apenas isto. Nada e apesar das gotas que caem, caem, o homem continua ali, imóvel. Seus cães vigiam seu sono eterno. Os cães ganem de fome e tristeza, porque o dono voltou à mineralidade do Eterno Retorno. E eu aqui, batendo ponto sem nada para dizer senão isto!
Se minha árvore pudesse ela estenderia os ramos e abrigaria a famigerada trupe; no entanto, ávida, ela absorverá as putrescências, os miasmas daquele sítio de abandono e miséria. Ela se nutrirá em sua espera paciente, resiliente, esperançosa e vegetal. O que é de minério se tornará finalmente parte sua e ela ostentará, orgulhosa, as folhas verdes que anunciarão a primavera. E eu aqui, sem dizer nada, batendo nas mesmas teclas, espremendo água de tetas murchas, solenemente murchas. A árvore está lá, como a mão de um gárgula apontada ao céu de nuvens cinzentas e mutantes, com pedaços de fios de papagaios enrolados nos ramos e uma corda pendente de um antigo balanço de moleques. Eu aqui só consigo dizer: Nada!
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