Sei que o vento se produz quando um centro de baixa pressão se forma devido às condições das altas atmosferas e as massas de ar ruma enlouquecidas em vórtices de uma a outra direção. Hoje essas forças resolvem golpear árvores, telhados, rostos, pássaros, nuvens, galhos, gramados e fios de luz. Ele carrega mil mensagens sonoras e perfumes de outras épocas, porque, vocês sabem, no alto das esferas de ar ficam cheiros e perfumes de outras épocas. Um arqueólogo do ar, se é que existe, recortaria cubos desse tecido fino que reveste nossos alvéolos e poderia colecioná-los, analisando assim sua procedência e até levantar sua origem no tempo. Num dos cubos, poderia detectar os perfumes de Cleópatra ao se suicidar, noutro poderia ver os miasmas que povoavam o ar no Cretáceo,. Essa matéria verga as árvores até seu limite e, a depender da fúria, destelha casas e bairros inteiros ficam sem luz.
Sei que o vento recorda palavras; havia um cientista que gravava na floresta quieta e quando reproduzia, ouvia vozes dos mortos. É o vento que recorda as palavras dos finados! Ele os armazena em sua infinita leveza, pois que, ao morrerem, o que sobra é sua essência e somente pensamentos e incorpóreas considerações a respeito do mundo saudoso. Os ventos são uma massa de ar e de palavras soltas: quem nunca aouviu de repente um murmúrio vindo de longe?
--...A baga da uva está supimpa...
--...Passe-me a adaga. Isso!...
--..Olivia! Ferve o bule, vens logo?
O vento traz ladridos de cães tortos, piados lúgubres de corujas, coaxos de sapos amarelos, grilos cricrilando e gemidos de amantes nas matas. Num golpe de ar, o espelho do lago se fende em reflexos de luz partidos e desfeitos. Sente-se a umidade das manhãs de domingo nos ares ventosos da noite enevoada, nuvens rápidas encobrindo o vulto da lua cheia, com a luz leitosa corando palidamente o rosto da moça que passeia no parque de sua casa, sozinha enquanto não vem o amado. O vento talvez o seja, porque levanta suas saias e revela suas formas perfeitas, deixando-a mais triste pela ausência daquele que é alvo de seus pensamentos.
--...Quando vens? Quando? Ó Lua, responde aos meus tormentos...
--...Olívia...
--...Quem és? Ainda o ouço, ohh! Deus, e era tão moço...
E o vento carrega os velhos, os moços, os que se foram e os que se vão, os que caminham e os que já deixaram as pegadas luminosas sob o pé da árovre do Paraíso. E sopra nas canaletas, nas águas-furtadas, nas soleiras das portas, nos batentes da casa abandonada, nos cata-ventos enlouquecidos, nos espelhos d'água, nos moinhos de vento...
--..Ahhh, como foi belo meu tempo...
--...Vovô, conte mais!
--Bem aqui, onde há esta lagoa, foi que encontrei sua avó.
--...Deu um beijo nela?
--Eu a pedi em casamento!
--...Ventava assim?
--...Muito, o vestido dela era leve, de organza, seus cabelos negros em tranças, os olhos de um negro aperolado...Ombros lindos...Ela me olhou e dois diamantes cairam de seus olhos...
--...Ela disse sim, vovô?
Sim, ela disse...E o vento levou.
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