Preparei a viagem com meses de antecedência. Primeiramente foi o passaporte que levou seis meses para ser liberado e o visto então, que me levou a uma entrevista surreal.
--Qual o seu nome?
--Flavio Gimenez
--Ok, ok. Giméenez. Descendente de mexicanos?
--Não! Avós espanhóis!
--Sei, sei. O senhor já sabe dos muros, não?
--Eu e a torcida do Flamengo.
--O idioma flamengo?
--Deixa pra lá.
Pausa. O camarada consulta uma base de dados, vejo pelos óculos espelhados rolarem milhares de informações a meu respeito...Ele olha para mim, ora sério, ora com um sorriso no rosto...Pára, pega uma dessas garrafinhas que eles usam com um chá dentro, beberica e volta os olhos para a tela.
Chama uma funcionária que vem e olha divertida para a tela. Ela olha para mim, incrédula, e olha a tela. Vira as costas. O Matrix continua dedilhando.
--O senhor tem parentesco com Menéndez Arrizabal Qíchua Quetzcoatl?
--Não sei quem é tal gajo.
--O senhor ficará um tempo lá(e faz um gesto com a cabeça para cima)
--Não. Pretendo visitar lá. Ver algumas coisas que eu já tinha visto quando fui acompanhado de minha família.
--Agora vai só?
--Sim. Vou só. Não queria, mas vou só. Não quiseram vir comigo.
Pausa. Aquilo estava me irritando. Matrix tinha um cordãozinho no ouvido igualzinho ao do filme e vez em quando parava e ouvia algo, murmurando instruções à meia voz.
--Tem simpatia pelo México?
--Já o visitei, antes de os senhores fazerem aquilo recentemente.
--Aquilo?
--É, aquilo.
Ele fêz um meneio de cabeça e apertou um botão verde. Depois, um vermelho e teclou mais uns trecos lá no troço dele.
--Caminhe até a próxima cabine. Mantenha a cabeça baixa. Ponha o olho direito no visor e aguarde o zumbido, ponha as mãos no vidro e quando tocar um sino, pode pegar seu visto, seu hispànico de merda.
--Não sou hispànico, senhor.
--Vocês são todos a mesma merda. Graças a Deus não entram mais lá e se entram colocamos tanta corda nas suas pernas que andam um pouco e caem fora. Vocês são os culpados pela porra toda. Sempre foram! Vai vai!!! Próximo!!!
Fiz as tais caminhadas, cabeça baixa como a de um boi num matadouro. Enfiei o olho num visor, um clarão me cegou temporariamente, pus as mãos num vidro que me deu um choque leve e olhei o guichê seguinte; havia uma moça lá que devia me dar o tal visto.
--Em que posso ajudar, senhor?
--Vim pegar meu visto.
--Perfeitamente. Caminhe até a luz verde. Lá, encontrará o caminho.
Caminhei até a luz verde, no Caminho. Muitos como eu esperavam. Todos de cabeça baixa, eu levantei a minha e ví o Muro, gigantesco, alto, cercando toda nossa cidade, dentro de nosso país, dominando a paisagem onde moravam os Colonizadores da Nova América.
--Abaixa a cabeça, hispànico de merda! Porra!
--Não sou hispànico!
--Agora é! Quer entrar em meu país? Porra!
--Vim pegar meu visto.
--Visto de quê, porra?
O cara estava fortemente armado, uma vestimenta de guerra que não se via seu rosto. Um militar especialista em confronto, assassino serial . Baixei a cabeça, como todo o mundo abaixou quando nasceu a Nova América.
Se aqui, em nosso país, a Colónia dos Muros assim nos tratava, o que estariam fazendo no país vizinho deles?
Peguei meu visto com uma loira de sorriso pintado.