A grana estava curta. No entanto, o vício fala mais alto, muito mais alto. A abstinência começara já há horas e só de pensar, meu corpo tremia todo. Já tivera outras vezes isto, mas nunca tão intensamente como a de agora. Sabe como é, a abstinência começa a atacar você pelas bordas. Você começa com irritação, depois vêm os pesadelos, os tremores. Três dias depois as alucinações não páram! Eu começo a ver Ivan Ilitch morrendo no buraco, a Madrasta se confunde de permeio com Lúcifer e sua queda, Vovó Tolstói foge de casa e morre gelado na estação de Vladivostok e Tchékov passeia com sua dama de cachorrinho
Insuportável!
Pego minhas armas. Um pistola de brinquedo resolve. Os caras são fáceis de dominar, geralmente estão absortos, pensam, lêem, ruminam...E eu chego como se não quisesse nada e ataco:
--Ó Zé Mané!
--...Oi??
--Seu bosta, oi o cacete. Passa os Tchekov aí, ó: Na maleta!!!
--Calma calma!!!
--Aqueles Dstoievsky ali, ó! Capa dura, edição limitada, vai vai vai!!!!!
--Tá bom tá bom!!
--Thomas Mann! Manda!!!
--Satisfeito???
--...Hesse!!!! Hesse!!!!!!!!
--Legal, não se amofine!
--Caralho, até pra xingar são uns merdinhas. Manda logo, na malinha, caralho!
--O senhor quer algum lançamento?
--Que tem?
--Bolaños.
--2666?
--Esse.
--Manda manda!!! Don Quixote!!! Divina Comédia!!!!
--Pronto pronto!!!
--Legal, seu Mané.
O livreirinho todo mijado. Eu saio na noite, carregado de livros. Minha droga mais pesada. Meu pó. Minha melhor companhia. Entro no cafofo que divido com outros viciados.
--Olha o cara aí!!!
--Nada de Paulo Coelho dessa vez, hein??
--Só droga da boa!
--Finalmente!!
--Fêz bom trabalho, filho!!
O silêncio se instaura, quebrado aqui e ali por alguém tossindo ou pelo rabiscar de uma caneta.
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"Nonada".