Imagine-se no meio do carnaval em Salvador, e aquela idéia pingando gota em gota, transbordando de sua cabeça. Aquela idéia fixa, em corredeiras, cachoeiras, água em precipitação, torneiras, chuveiros, caixas d´água, mangueiras, as cataratas do Niagra, e Foz do Iguaçu. Naquele momento, você não existe. Faz parte da multidão, no meio daquela massa compacta e maciça, te levando ladeira abaixo, aproximando suor com suor, esmagando ombro com ombro, e castigando os dedos dos pés. Para logo depois, subir um pouquinho mais, apertando mais um pouco, esmagando mais, e castigando os dedos muito mais. A única solução seria aliviar-se em pé, sobre todo camisu, e pior ainda, no meio da pipoca.
Existe um meio científico e nunca antes estudado profundamente, para separar-se desta massa. Podemos calcular a trajetória do projétil, considerando à massa o valor da gravidade, para obtermos o valor exato a ser atingido. Digamos por exemplo que queiram separar-se da massa, nos próximos dois quilómetros seguintes: Força é igual massa por aceleração. Devem então, aplicar sua velocidade constante de 3 km/s, e observando que a gravidade, a massa, ou a força, e até a aceleração é de 10 x m = força, chegamos a conclusão que nunca conseguirá separar-se da massa, nem mesmo por ordem de uma divisão no núcleo átomo, que poderá causar uma explosão atómica.
Sendo assim, somente com uma grande margem de probabilidade, conseguirão separar-se da massa no exato local que gostariam. Além do mais, ir pra onde, um vez lá no meio, não existe saída. Render-se nunca, retroceder-se jamais, e você encara a multidão. Além disso, você já encontra-se num estado emocional de invencibilidade e imortalidade. Nas primeiras horas, você está alegre, depois você passa bem no meio da alegria, e vai direto para a euforia, e para a infantilidade. Somente após algumas horas, embebido de cerveja dos pés a cabeça, e emergido à uma histeria coletiva em massa, constatando que a alegria é contagiosa e nem um pouco democrática.
Que culpa tenho eu se todos estão alegres? E eu com minha tristeza onde ficamos? Provavelmente em casa, longe de tanta algazarra, mas acontece que não encontrava-me em condição de prever tamanha muvuca. Foi quando tarde demais, constatei a ditadura da alegria. A alegria alastrou-se como um càncer, invadindo a cidade inteira, transformando-a num caldeirão de folia, fervilhando como uma explosão atómica de energia humana. Tanto fosse na Bahia ou Pernambuco, o importante é que a folia toma conta da cidade, tomando-a por Estado de Sítio de alegria. Taí! A ditadura da alegria.
Talvez por isso, que os desfiles dos blocos são dia sim, e dia não. Um dia de folia e outro de descanso. Como fosse o bastante para foliões afoitos, que mal podem esperar o dia seguinte, e caem na folia do dia seguinte, seguidos de uma rebordosa. Um gosto de guarda chuva aberto, barro, tijolo, a transpiração alcólica, e embebedando-se de suor. Mal sobra tempo para divertir-se com a ralação, a cantoria, o som, as mãos e o tempo das ruas quase sempre estreitas. Mal sobra espaço na cabeça, pra tanta euforia, alegria, e bebedeira juntas.
Um baiano em referência já dizia, que "atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu". Pois está certo, por que somente mesmo morrendo de cansaço, você teria a oportunidade de separar-se daquela massa humana.