Nunca fui um forte; sempre tive o pé tortinho e as carnes fracas. O tremor sempre me acometeu e nas horas mais confusas, falhou minha visão. Eu não sabia, mas tinha a carne fraca. Nunca fui muito errado, mas também o certo sempre se distanciou. Entre o certo e o fácil, optei pelo segundo. O fácil é o mais certo, então, as carnes fracas tremiam, o olhar falhava e eu, covarde, me escondia sob a carapuça invisível da neutralidade. Fugia das espadas do conflito. Tornei-me um diplomata, tentando apaziguar os ànimos mais contendores, fazer as pazes com a violência crua dos dias da adolescência; as carnes sempre fracas, a inércia do pensamento enxuto, reduzido ao mínimo, a paixão pela solidão que não dá trabalho e é facilitadora do consenso interno. Quem mais poderia concordar comigo senão eu mesmo? Quem poderia estar ao par de minhas idéias senão eu? Não, nada de amores vãos: todos acabavam no vaso sanitário e com eficiência de uma máquina, produzia dezenas de milhares de descendentes, desperdiçados água abaixo. O barulho grotesco da goela engolindo as águas servidas era o símbolo mais completo de minha solidão vacilante. Eu ainda me lembro daqueles dias em que amar alguém significava olhar de soslaio, à sombra, atrás de uma pilastra. Tudo para não ser ridicularizado, pois me achava um feio. Quando você se convence do que é óbvio, a feiura contamina os outros. Eu, feio, de carnes fracas, tremendo, os olhos falhando, atrás da coluna do colégio, via a musa passar. Ela tinha seus dezesseis e eu, quatorze. Ela tinha cabelinhos curtos e olhos enormes, eu um e sessenta; ela tinha pernas enxutas e eu sem um puto no bolso, quem sabe para lhe comprar um guaraná. Atrás da coluna, as carnes fracas, o mais fácil pelo mais certo, eu vivia à s avessas e ela passeava sua beleza quase cruel, destruindo meu coração frágil de punheteiro covarde. E lá ia eu tomar o guaraná, e estudava, e fazia desenhos, e sonhava em trazer a musa junto, num beijo carregado de lascívia e amor, de rancor e de posse. Eu sonhava e o vaso sabia que eu era apaixonado. E a goela remetia meus homúnculos ao inferno da escuridão do esgoto. eu era fraco, as carnes tremendo, a visão falhando, tinha um escroto que vinha me espiar vigiando minha imobilidade. Dizia que eu era viado. Eu tremia, as carnes fracas, a covardia de não sair dali e o moleque dizendo isso.
O tempo é amigo da mudança.
Escondido atrás da coluna, ouvi os passos do muco ambulante. Nem olhei, virei um soco que o estatelou ao chão, bem na hora em que ela passava. ela viu a cena, o troncho caído feito um saco de batatas; Admirou-se.
--Ele estava escondido pra lhe pregar um susto!
--Obrigado!
As carnes se firmaram, eu senti a voz embargada se engrossar, doía meu murro n mão, o troncho respirava regularmente, juntava molecada pra ver o desmaiado. Eu lhe ofereci o braço e ela aceitou o guaraná.