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cronicas-->cronicas DO MATRIMÓNIO - Aquele chão frio embaixo de mim -- 01/07/2001 - 15:17 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era tarde da noite, quando a cama embaixo do corpo faltou em espaço. Estatelou-se no chão como um velho saco de batatas e acordou na penumbra da veneziana entreaberta do quarto embaçado de suor. O chão todavia estava frio e repudiava o calor humano, em baforadas de frio na espinha dorsal do pobre coitado estendido no chão, agarrado ao último fio de lençol estendido sobre a cama. Ainda bem, que não comprara a parte debaixo da cama.

Naquele chão frio, era a única coisa que imaginava. Tanto que foi difícil, recobrar a razão, e arrastar-se por dentro do lençol, numa repetição contrária dos movimentos involuntários que fizera anteriormente. Já era tarde, mas mesmo assim, ainda era necessário um pouco de razão e sensatez. Fazia frio, mas a razão permanecia. Era frio. Era muito frio.

A parte de dentro aconchegava e acolhia, recobrava a razão, e trazia a mente de volta à sua rotina neurológica. Os fins justificam os meios. E quais sãos os meios? O adversário do outro lado do ring? Não confundam os esportes, que está mais pra patinação do que boxe. Acontece que seu adversário lutava pelo método Jiu-Jitsu, e preferia o combate corpo no corpo. Enquanto, sua preferência era pelas artes medicinais, da cura pelo cànhamo, e recolhia-se a qualquer investida do adversário. O combate se iniciava pelo contato corpo a corpo, resultando em chaves de braço, pernas, ombros, e tudo mais, resultando numa aula de contorcionismo espancionista.

A pernas, os braços, os ombros, e os corpos entrelaçados, conspiravam contra todos os astros, e acuavam o pobre indivíduo, para o abismo por entre as cobertas. Naquele mundo inexplorado do colchão, resultado daquela velha crença de que o mundo é quadrado. E é a mais pura verdade, que no fim do mundo, estão as duras ceràmicas frias e umedecidas pelo vento da noite de inverno. O mundo acabava ali, e além da extensão daquele colchão, já não existia nada. Era duro, e era frio.

Não voltara a dormir durante um bom tempo, o que levou-o a concluir, após enorme pesar, que em sua luta inglória por um pouco de lençol, havia esquecido de barganhar por mais um pedaço de colchão. Quando finalmente, pode apagar da memória e do corpo, a sensação do chão frio, voltou bailando o lago dos cisnes entre as cobertas e dançaram durante longas horas, e logo após, regozijaram-se rodeados de aplausos e suspiros por todos os lados.

Tudo por causa de uma pequena falta de espaço. Talvez esta crónica pudesse ter sido mais alegre, ou quem sabe um pouco mais irónica, e até quem sabe, mais divertida. Mas acontece que o chão era frio, inconsolávelmente frio. E de fato a intenção do adversário era das melhores possíveis, mas culminou em sua luta contra o colchão. "Tó caindo!", foi a revelação mais realista da noite, e nem mesmo os suplícios do outro sexo em grudar-se em seus ombros, pernas e braços, serviu-lhe de consolo. Pois, o pior de tudo era a diminuição do seu espaço no colchão.

Apesar das estocadas adversárias, ele sobreviveu o resto da noite. Dormiu bem no cantinho esmagado pela adversária, sonhando com o resto do colchão.



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