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cronicas-->Existência -- 21/04/2018 - 15:29 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Enquanto ele tomava um café, as gotas de chuva escorriam pelas vidraças da padaria em lento movimento, invertendo as posições das pessoas que passavam apressadas pelas ruas encharcadas de Outono. Os carros eram manchas fugazes, refletidos em poças grandes acumuladas desde há dois dias e os pássaros se apinhavam nos fios, antevendo o final do dilúvio em arcas acomodadas entre os pedestres apressados.

Todos, uma miríade de guarda-chuvas, corriam pelas calçadas úmidas; alguns xadrezes, outros negros como a noite, uns coloridos e brancos, se havia, eram poucos.

O café tinha um gosto acre, passado, que lhe relembrava as noites em que passara velando pelos outros em insana miragem, enquanto os outros dormiam e sonhavam, faziam amor ou apenas se aconchegavam aos parceiros, ou brigavam em inúteis embates, ou se mortificavam com dívidas imensas, ou pensavam em suicídios lentos...Ele era o Guardião daquela multidão toda, olhos pesados de não dormir, pálpebras congeladas na escuridão que avermelhava devagar e mudava de cor com o passar das horas.

Uma gota tingiu de sangue a vidraça e ele viu que o sol teimava em reinar naquele mundo minúsculo e invertido, enquanto ele examinava suas emoções à beira do vidro, ouvindo o zumbido das luzes de néon e o gargarejo que um distante cliente fazia no sanitário, decerto preocupado em eliminar os últimos traços da noite que se tornara Noite e do dia que se tornava Dia.

Ouviu um grito e voltou-se, combalido de tantas noites suspensas em seu rosto exausto.

Lá fora, os passos todos se concentraram, os guarda-chuvas convergiam a um ponto, as águas escorriam nas guias rumo às bocas de lobo, o Silêncio alentecia os rostos p´reocupados dos passantes, o café tinha um gosto acre, o cigarro teimava em grudar em um canto de sua boca, os olhos todos contemplavam um farrapo num chão, o grito tresandava a berro.

Ele olhava a xícara agora e tentava adivinhar uns futuros enquanto os passados seus corriam céleres para serem tragados pelos bueiros da memória, o moço do balcão enxugava metodicamente um prato branco de borda talhada, olhava para a janela e a gota sanguínea escorria, a vidraça se toldava em promessa de nova catadupa, o toldo se inflava de ventos.

Ele calava.

Ele esperava.

--Noite feia esta hein?
--Sim. Nenhuma noite deixa de ser feia. Todas são, as Noites o são, todas. São feias e tristes as noites dos tempos.
--Quer mais um café, senhor...?
--Sim, com um pouco mais de leite, por favor. Ah, um pão na chapa, canoa, sem miolo.

Mastigava agora lentamente, saboreando a manteiga e a textura do pão amanhecido e revivescido pelo calor do fogo. Nada tinha sentido, nem a água que escorria, nem o desgraçado que se jogara na via, nem os guarda-chuvas aglomerados. O Mundo é um caos perturbado, absolutamente sem nenhuma direção e direcionamento. Estamos com sorte de ainda estarmos aqui, porque o destino o permitiu; indiferente às sirenes do SAMU, ele mastigava pausadamente o sentido de todas as coisas.
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