Quando nasci, um forte trovão acordou toda a cidade como se fosse um aviso de uma novidade que descera de Marte, a mando do grande Pai. A cidade correu então à casa de meus pais para averiguar o assunto novo: eu, Bidião. De início me senti invadido feito floresta indígena sob os olhares de uma vizinhança buliçosa da vida alheia. Encarei cada fisionomia que de perto se aproximava e com certa indiferença, desloquei a cabeça para a barriga gestora dos meus primeiros meses de vida e comecei a absorver os martírios que dali em diante fariam parte do processo histórico de minha existência. Cresci pivete calça curta, gola apertada no pescoço e corte de cabelo de soldado, sempre pronto a fotos de família. Minha expressão revelava minha estratégia de sobrevivência que deveria colocar em prática, sob ameaça. Jovem, não apenas joguei mas pisei muito na bola, o que enriqueceu meu currículo existencial. Hoje, vivo os martírios presenteados pelo passado, contudo tenho como companheira ela, aquela estratégia de enfrentamento da vida: a resiliência. Sou avesso à cómodos, prefiro os incómodos desta vida instável, cheia de martírios a lapidar o eu de ontem, de hoje, de sempre. Nela, acomodo ainda que rebelde, meus incómodos diante do meu sagrado templo e no oratório do meu existir, procuro a linearidade dos sentidos, sentidos. Tento não expor todos eles a essa máquina execrável da reciclagem do cotidiano existencial. Procuro a manter a incolumidade deles na mais perfeita originalidade. Talvez, isso justifique minha perfeita unicidade.