O cerco existe; por mais que eu tente, sempre machuco minhas mãos no arame farpado. Tento pelo tato, mas o que não enxergo eu sinto: Réstias de alho, mato ressequido, grama morta e pedregulhos.
Jogaram-me aqui, neste buraco, com os dois olhos mortos. Deixaram-me aqui, ao relento, para que eu tentasse sair por força própria, cercado por pontiagudo metal, sem perdão.
Sempre que minha mão gruda numa ponta, eu ouço os risos dos deuses tortos que norteiam meu fim; eles fazem apostas, meu ouvido aguçado distingue os sons surdos dos risos contidos e o farfalhar das notas.
Sou uma aposta, sou uma figura de linguagem, uma metáfora. Só que sou uma metáfora que dá dinheiro, que ao fim e ao cabo, renderá a alguém um fim de semana em um prostíbulo( não acredito que o dinheiro seja utilizado por gente que precisa).
Depende de mim quanto uma vagabunda vai ganhar para tomar champanhe às custas de um putanheiro.
Esforço-me, então, para sair do buraco e, apesar das pontas aramadas, dos mil espetos que formam minha coroa de espinhos, da pele grudada de sangue seco, escapo dali num arrastar de braços( minhas pernas foram quebradas).
Tudo para enterrar fundo um caco de vidro na palma da mão esquerda...
Mais notas, mais risos, mais farfalho: Sou um galo de rinha, sem esporas, sem as pernas, sem os olhos, sem a rinha e sem chances.
--Chegou teu fim, moleque! Se foi bandido, agora acaba tua carreira! Se teve coragem, agora se mija todo. Se havia uma luz, você não a vê mais, se podia correr pra se esconder, agora tuas pernas já eram. Comece a rezar, se é que acredita numa porra qualquer, marginal.
Ave Maria, cheia de Graça. Bendita sois vós entre as mulheres, bendito o fruto...
--Porra!
--Esperasse ele rezar, maldito.
--Ganhei a aposta. Passa a grana!
--Ganhou? Comece a rezar.