Sempre sonhei carregar um relógio de bolso na algibeira. Pelo fato dele encaixar nesse bolsinho costurado na parte interna das calças, era também conhecido como relógio de algibeira.
Tenho conhecimento desse termo, através de meu pai que é do "tempo do onça". Eu, um pouco mais novo, beirando os setenta, sou do tempo da televisão em preto e branco, que nós, os pobres, colocávamos papel celofane colorido sobre a tela, para torná-la coloreada. Ainda pendurávamos lã de aço na antena interna para captar melhor a imagem.
O leite chegava em nossa casa em garrafas de vidro. O leiteiro a entregava cheia e a recolhia vazia. Geralmente quem o atendia era a dona da casa, pois o marido trabalhava fora e ela era do lar. Quando um filho nascia, e ao crescer ficava bem mais alto que os irmãos, dizia-se, em tom de chacota:
- Ele é filho do leiteiro. O "garoto do leite", nem tão garoto, já um grampola, é bem alto.
As radiolas portáteis animavam as festinhas americanas. Escolhia-se uma casa, os homens levavam as bebidas e as mulheres, os salgadinhos. Dançava-se na sala, quase sempre sob a supervisão dos pais para que não houvesse exagero na beberagem e nos agarramentos.
Voltemos à história do relógio de bolso. Minha irmã trouxe um dos Estados Unidos e presenteou o pai.
Seis meses depois o encontrei na gaveta do guarda-roupas e perguntei:
- Pai, o senhor não usa o relógio de bolso?
- Não. Queres para ti?
Sorri, como no tempo em que ganhava bola no Natal, ou quando ia de trem visitar meus primos ou avós. Usei-o por um certo tempo até o dia em que minha irmã perguntou para o pai:
- Onde está o relógio que lhe dei de presente, para usar no bolso?
Ele deu uma desculpa mentirosa:
- Hoje não fazem mais calça com algibeira, por isso eu não o uso.
Eu, que escutava a conversa e trazia o querido objeto escondido, fui, pé ante pé colocá-lo de volta no lugar onde o havia encontrado. Acabei comprando um, e uso diariamente, para meu deleite e curiosidade de algumas pessoas.
Certa vez, presentei um cunhado que me afirmara que o usaria. Nunca o vi com a peça e fico triste toda vez que isso acontece.
Um dia, conversando com um amigo que fiz nas mesas de dominó, ele elogiou o relógio. Perguntei se gostaria de ganhar um. Marcinho respondeu que sim. Indaguei quando era seu aniversário e disse que daria um para ele. Três meses antes da data, chamei-o para perto do meu carro e entreguei o regalo. Ele, quase chorando, abraçou-me e disse:
- Não acredito! Muito obrigado! Parece meu pai me dando um presente.
Fomos jogar dominó e ganhamos três partidas seguidas.
Duas semanas depois perguntei para ele sobre seu pai e o profissional em contabilidade disse que o perdeu quando tinha 13 anos.
Certa noite, a cunhada chegou perto da mesa em que jogávamos e perguntou as horas para Marcinho. Ele estufou o peito, puxou o relógio da algibeira e disse:
- Na quadra do Joe, são exatamente, vinte horas e três minutos.
Mais ou menos um mês depois, mandou-me uma foto em que estava de bermuda, camiseta e colete. Com um sorriso, mostra o objeto saindo do bolso do colete, com a seguinte frase:
- Obrigado amigo. Jamais esquecerei essa lembrança. Exatamente isso.
Da minha parte és meu contador oficial para questões de Imposto de Renda, parceiro preferido de dominó e meu amigo que prezo demais.