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cronicas-->Poeira do Tempo -- 16/11/2001 - 00:14 (Elisabeth Carvalho Nascimento) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Viajava por aquela estrada sinuosa, com descidas e subidas íngremes, e confesso: - senti falta da poeira, ao perceber que o dito progresso ali chegara falsamente, com pista asfáltica, eleitoreira e mal cuidada; quebrou-se um elo que unia minhas raízes àquela terra.
Chego na vila, era uma segunda-feira de carnaval e a rua estava toda em festa, com bares armados com madeira e lona de caminhão, que à luz do dia, emprestava ao seu interior uma claridade de um forte amarelo, que chegava a queimar os olhos, e fazia um calor sufocante que a lona aquecida pelo sol, parecia aproximá-lo de minha cabeça.
Toda a extensão da pequena rua, estava repleta desses tipos de bares improvisados. E havia ainda, pipoqueiros, vendedores de algodão doce, panelas, sorvetes. Um tipo de sorvete que se aperta o botão de uma máquina e a massa gelada, vai saíndo espremida, sem aparência apetitosa.
Encontrei também um fotógrafo. Seu atelier, era no mesmo estilo dos bares de lona, mas um pouco menor. E havia uns cavalinhos e pequenas motos, todos em madeira, para quem desejasse tirar fotos, sentados nos mesmos, em poses de gosto duvidoso. Acheguei-me perto e perguntei o preço. Além do preço da dúzia de fotografias, fiquei sabendo que as receberia na hora da missa da seis horas - Vai demorar. E o fotógrafo de máquina em punho, procurava de todas as maneiras convencer-me pela fotografia. - Se esperar vinte minutos, entrego. - Desconfiei.... - Sai mais caro? - Não. Sentei no cavalinho, pus uma cara de passado. Não sou atriz, mas tenho a impressão que minha expressão era desolada, triste, um rosto de infància, ficou ali registrado.
Ao sair do fotógrafo, foi que tomei conhecimento que não era festa de carnaval que havia ali na vila. Toda aquela alegria e algazarra, era da missão de Frei Damião, que se encontrava lá naquele distante vilarejo. Então, foi que percebi, não ter ouvido músicas de carnaval nos bares e o fotógrafo ter me dado como referência de tempo uma missa, em pleno carnaval.
Saí andando pelas ruas quentes e pensava no poder que tinha aquele pequeno homem, para trazer uma festa, ao tempo em que tirava outro tipo de festa. Certo que existia todo um comércio em torno da festa religiosa, com vendas de todo tipo de quinquilharias. Mas o comércio é um grande parasita dos santos homens. Não vê, aquela passagem do Evangelho, onde Jesus expulsa os mercadores do Templo? Perguntava para mim mesma e dava a resposta. - Passado tanto tempo e tudo se repete. A humanidade é mesmo dada a repetições de fatos que até já se encontram na história das civilizações. Também, não é nenhum fato novo o que acabo de dizer. Parei a conversa e fui até um dos bares, beber uma cerveja, enquanto esperava pelas fotos. Sentei-me. Um garoto que atendia, tratou logo de colocar um disco em seu serviço de som. Altíssimo!. Pedi para diminuir o volume. E Amado Batista destilava suas canções de amores desfeitos e não correspondidos. Aquilo, fez aumentar o calor, o desconforto. A cerveja servida quase em temperatura ambiente, amargava até o íntimo da alma.
Sentei voltada para a rua e comecei a observar as mulheres que passavam para a Igreja. Vestiam largas roupas, mangas compridas, lenços na cabeça. E demonstravam naquele momento, uma grande fé, que lhe tirava do semblante, o cansaço da luta diária e da caminhada que certamente tinham empreendido para chegar até ali.
Lembrei das mulheres, que na infància, ficava observando passar. E me dei conta que elas eram exatamente iguais. Não simplesmente nas vestes, mas sobretudo na dor, na resignação e fé.
Esqueci das mulheres, do seu secular caminhar, quando notei à minha frente, um homem de aparência de pouca labuta, vestido de brim, chapéu palhinha, bigodinho aparado, que começava a armar sua barraca. E passei a esperar com a curiosidade de saber o que ele venderia.
Abriu um saco, tirou um rolo de fumo, que arrumou em cima de uma pequena mesa e em seguida apanhou um pedaço de corda, acendeu a ponta da mesma e assobrou até ficar em brasa. E depois desse ritual, sentou-se, aguardando os fregueses, enquanto fumava seu cigarro de palha, não esquecendo de quando em vez, assoprar a ponta da corda, para manter a brasa acesa.
O freguês que ali chegasse, por certo, puxaria um tamborete, e na madorna, picaria um pedaço de fumo com uma faca peixeira, amaciaria na palma da mão e depois enrolaria na palha de milho, mais fina e delicada, enquanto iria contando e ouvindo causos. E quando dalí fosse embora, saíria amigo ou cumpadre futuro do homenzinho de cara de pouca labuta e bigodinho aparado.
Terminei a cerveja. Voltei ao fotógrafo. Acerquei-me. Prontos? - Não prestaram. Tinham ficado muito escuras - Olhei. Não me ví. Sabia que minha cara de infància estava ali. Mas eu não conseguia vê-la. Recusei a proposta de tentar novamente. Eu senti que não adiantaria. Para sempre havia perdido meu ar de infància. E não seria ali, em cima de um cavalinho de madeira, que iria reencontrar. Rasguei as fotos, e seus pedaços se misturaram com a poeira da rua.
E finalmente fiquei junto à poeira, que antes reclamara não ter encontrado.
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