Era quase hora do almoço, voltava do campus pela rua que me havia acostumado a passar, um pouco pelo horto botànico, tanto muito porque era um local desabitado, dado aos muitos pássaros, onde podia-se caminhar por um bom tempo de olhos fechados.
_ Cala a boca, cala, eu já disse.
Pronto, estalou um tapa grosso na boca do garoto de cabelos loiros, caídos radialmente sobre as sombracelhas. Meus olhos foram abertos por um pavor sufocante, estava a planejar sonhos quando senti a presença do real cotidiano, moldado por sua hipocresia provinciana.
_ Cala!
Seguiu-se outros beliscões e tapas pela cara a fora. Se fosse um filme, neste momento a cena haveria de se congelar em P/B e o silêncio se faria oceano, na imensidão de dor sentida por aquele garoto. Não devia Ter mais que oito anos, calculo, e respondia aos maus tratos da mãe com uma enxurrada de pestes verbais. A mochila pesou-me sobre os ombros, sentia o amargo de ser humano. Apressei os passos imaginando que minha presença viesse a desmascarar algum constrangimento. Tudo inútil. O ombro parecia estar pisoteado, os nervos inflamando e escalando meu pescoço até badalar numa terrível dor de cabeça.
_ O quê?
Um golpe de dedos farfalhou o ar. O garoto batia forte seus pés, numa corrida onde o podium era algum lugar o mais distante possível de sua mãe. Triste. Corria.
_ Lá em casa tem, seu burro.
As palavras ameaçadoras tombaram meu corpo. Bati forte a cabeça no passeio. Algum tempo depois, acho que segundos, aquela mulher segurava-me os pulsos. Foi uma vertigem. Quando olhei seu rosto amarelo e desbotado, raso...
Recuei instintivamente, levantei, dois passos e comecei a correr. Não sei se corria da mulher, não sei se queria alcançar o garoto. Batia forte os pés no chão.