Em um dos apartamentos em que morei, tinha uma lista de regras. Muitas foram obedecidas por anos a fio. Não deixar namorado dormir no apartamento (se ele estivesse bêbado demais para dirigir, até poderia tirar um sono), lavar o que usou, não deixar a casa desarrumada, não pegar roupa emprestada sem comunicar, e outras coisas, faziam parte da lista. O que me deixava intrigada era uma regra absurda, "a meu ver", mas que eu deveria cumprir: amigos, namorados ou sei lá quem, não poderiam ligar depois da meia noite, com exceção de parentes ou caso de acidentes. Na casa, eu era a única do ramo da madrugada. Todas as outras meninas dormiam, no máximo à s 10 horas da noite. Mas sempre tive amigos que dormiam pouco, e eu chegava tarde em casa, por isso, essa regra me deixava louca de ódio. Um belo dia, resolvi arrumar uma forma de burlar a regra. Comprei um telefone novinho, cheguei em casa e coloquei no silenciador. Ficava com ele na mão, até "sentir" que estava tocando, e com isso, falava até as duas ou três horas da manhã. Antes de dormir, trocava o botão para que o aparelho voltasse a funcionar direito, com o toque perfeito para as meninas. Só que um dia esqueci de trocar o botão e minha farsa foi descoberta. Vejam bem, éramos cinco no apartamento, por isso, quatro contra um, somente eu queria falar ao telefone até mais tarde. Fiquei irritada, gastava telefone para caramba, pois tinha que ligar para as pessoas, pois só assim, ninguém ouvia toque nenhum.
Sissy era a mais empolgada em transformar essa regra em testamento assinado em cartório. Até alguma risada mais alta minha era motivo de desavença. Passava noites em claro achando uma forma de mudar as coisas, mas não tinha jeito. Até pedi ao namorado de Sissy que ligasse para ela depois da meia noite, para que eu pudesse descontar no outro dia, mas ele não aceitou minha proposta. Passei mais de um ano cultivando uma raiva enorme em relação a isso.
Meses se passaram e um dia estava na sala do apartamento, eram 3 horas da manhã e o telefone tocou. Corri para atender, com medo de ser "despejada do aluguel". Do outro lado da linha escuto uma voz de bêbado dizer: _ Aló, quero falar com a Sissy. No primeiro momento calculei que estivesse sonhando, depois achei que só poderia ser um bêbado mesmo para querer falar com ela à quela hora. Conclusão: o homem não desistiu de jeito nenhum e tive que chamar a Sissy, essa veio como um tiro, pois eu disse que um bêbado estava ligando. O homem dizia ser um antigo admirador e não largava o telefone. Sissy desligava e o sujeito ligava de novo. Essa história toda durou até as 6 da manhã. Todo mundo acordou, todas as meninas falaram com o bêbado. E nesse momento tive que me vingar. Olhei bem para a cara da Sissy e soltei o verbo. _ Querida, amanhã vou falar nesse telefone até que meus ouvidos peçam perdão a Jesus Cristo por todos os pecados, porque ligam para mim depois da meia noite, mas nenhum se parece com o seu bêbado. Todas as meninas riram e Sissy, junto com a galera, me deu a permissão de usar o telefone depois da meia noite.
Detalhe: o bêbado era um amigo meu que fazia teatro na época. Pedi que ele ligasse para encher o saco da Sissy e para que, enfim, eu pudesse ouvir o toque do telefone pela madrugada a fora.