Hoje, dia 18 de Novembro de 1999 - Quinta-feira.
Estação Santa Cruz do Metro - 8:45 hs.
Alguém irrompe pela porta do trem de maneira alardeante. As pessoas imprensadas contra a porta e uma contra as outras. Não havia espaço para mais ninguém, mas para ele havia. Abriu-se uma espécie de clareira bem no centro do vagão para que ele ficasse ali, isolado. Sim! A AIDS proporciona esta espécie de conforto. E ele passou a discursar pedindo ajuda a todos. Dissera que não sobrevivia somente do AZT, mas que também precisava comer. A voz rouca, a ausência da maioria dos dentes, o rosto encovado, os dedos sem boa parte da unhas era a marca registrada daquela verdade dantesca. E ele ia pedindo e implorando entre os passageiros que lhe abriam caminho. A voz mal lhe brotava da garganta, mas mesmo assim com esforço sobre-humano, ele dizia que bem pior do que a dor da doença, é a da humilhação de ter que mendigar nos trens e nas ruas para não perecer. Para ele a vida era tudo e ele sentia que esta estava lhe escapando por entre os dedos.
- Eu sofro e me humilho, mas nunca vou desistir de lutar - dizia ele.
Era um jovem de mais ou menos vinte e cinco anos.
E o trem seguia seu curso, de estação em estação deixando e levando mais e mais pessoas para o seu dia. Pessoas normais, com trabalho, família, filhos, esposas, moradias, alegrias...
E ele continuou ali, bradando seus gritos de desespero, implorando pela continuidade de sua vida.
E o trem parou em mais uma estação... Paraíso... E ele desceu, cabisbaixo, com alguns trocados e vales-refeição naquele resto de mão. Talvez o verdadeiro "Paraiso" não estivesse tão distante... Ficou parado olhando, com o olhar molhado e perdido entre as placas da estação, emudecido pelo frio da incompreensão da cidade grande...
Fato real presenciado em data, local e hora acima referida.