Recebo um telefonema interessante. Uma das meninas que morou comigo, em um dos apartamentos, conta que leu meus textos no Usina. Alguns sobre nossos "momentos" de anos atrás. Levo uma bronca por ter esquecido uma história.
Éramos cinco meninas e a maioria com 17 anos. Entre elas, eu era a única que não me adaptava com a cidade grande. Sim. Morar no interior é bem diferente. E para falar a verdade, era muito mimada. Assim, tive que aprender muito.
O problema era que, como nunca tive chave na vida (no interior, só o pai tem a chave de casa) era mestra em perder todas. Ou esperava alguém chegar, mofava na portaria, ou ia atrás de uma das meninas. Isso foi complicando minha vida e a das companheiras e nem por reza conseguia lembrar da porcaria da chave. Aí veio a idéia: "Deixar a porta da cozinha aberta. Ninguém entra lá mesmo! De noite fechamos". Ok. A ajuda foi de bom tamanho. Tudo corria à s mil maravilhas, até que um dia, Karina voltou mais cedo para casa.
Karina era,e continua sendo, uma das minhas melhores amigas. Ela tem o mesmo defeito que eu (ou seria qualidade). Quanto mais nervosas ficamos, mais rimos! Nesse dia, ela entrou em casa, tomou banho e foi para o quarto. Nisso, ouviu um barulho vindo da cozinha. Quando foi ver quem tinha chegado em casa, quase teve um ataque. Uma mulher, ainda de pijama, entrou pela porta dos fundos (da cozinha), foi para a sala, ligou a tv e sentou no sofá. Kaka quase morreu de tanto rir! Chegou perto da mulher e perguntou o que ela queria, ou algo parecido (disso não me lembro bem). Mas o que lembro é que Karina não obteve resposta. Então, correu para o interfone e chamou o porteiro. À essa altura eu estava chegando ao apartamento. Encontrei Karina tremendo e rindo ao mesmo tempo, no corredor do prédio. Fui ver o que tinha acontecido e, realmente, foi uma visão inacreditável. A mulher parecida paralisada, não me respondeu nada (e olha que soltei o verbo, e uma gargalhada, para cima da louca). O porteiro chegou. Com a maior tranquilidade do mundo, pegou no braço da mulher e saiu. Voltou, minutos depois, para dizer que ela morava no andar de cima e que não estava nada bem da cabeça (Oh, que descoberta!).
Dias depois encontrei a mesma mulher no elevador. Quase subi de escada, com medo da louca, mas não resisti. Ela deu bom dia, falou sobre a temperatura e desceu no andar antes que o meu. Claro que, por causa disso, liguei para o porteiro, pois achava que poderia invadir outro apartamento.
Morei cinco anos naquele lugar. Ouvi muitas histórias sobre a tal mulher. Perdi muitas chaves, pois tivemos que trancar a porta da cozinha. Mas a louca nunca mais voltou a incomodar nossa casa.
Com o telefonema da amiga e com essa história na cabeça, deu vontade de visitar a tal mulher. Ou pelo menos algum morador que saiba o que aconteceu com ela.
Pensando bem, deixa isso para lá, pois "de sábio e louco, todo mundo tem um pouco", não é verdade? Quem sabe, dia desse, me dá vontade de invadir o apartamento de alguém e dançar ao som de Nessun Dorma?
Detalhe. Hoje não perco minhas chaves, mas por via das duvidas, deixo sempre algumas cópias com amigos.