Daqui a algum tempo,já não haverá resquícios de coisa alguma,embora as paredes teimem sempre em preservar mudas histórias que se passam atrás de portas trancadas.
Em tranquilos biombos da casa dormente e vazia não haverá mais quem mate as poeiras e marcas de fatos acontecidos,de frases perdidas em clandestinos encontros de que ninguém desconfia. E cálidos sorrisos de sol esquentarão mortas presenças de nada,enquanto um silêncio antigo contará lendas de sono e redenção.
Pelas frestas das janelas,penetrarão sons de vida lá de fora e, aos poucos, casa inteira irá se acostumando à solidão de estar assim desencontrada de si mesma, de seus habitantes antigos,das gerações que lhe dobraram as tábuas do assoalho em loucas correrias e alvoroço constante,dos tempos de avós,tios, sobrinhos, apadrinhados e arroz doce comido de tarde com café de rapadura e brincadeiras de pique pelo quintal.
Decerto,irão ficar lembranças de mortes, herdeiros e família separada por questões de somenos importància, medo de assombrações, espectros de árvores que em noites tão longas abrigavam serenatas e namoros escondidos.
Não mais se ouvirão maçanetas girando, dizendo de chegadas diversas,de filhos pródigos em busca de apoio,de mães carinhosas e mãos se doando. Cada espera será ameaça de gargalhadas repentinas sugeridas por escuridão e silêncio.
Pelo jardim,alguém descobrirá somente lições de abandono,como se tentassem reconstituir, entre escombros,as bases de um relacionamento há muito arruinado.E alguma torneira esquecida irá então pingar intermitentemente,chorando perdas e danos.