Sofro por paixões temporárias, por autores de todos os gêneros. Cada tempo, um ou dois escritores me acompanham nesse cotidiano desenfreado. Por esses dias, Fernando Pessoa dorme entre meus papéis. Recordo o dia em que comprei seu primeiro livro. Estava na cidade de Juiz de Fora para prestar vestibular e deveria esperar por 5 horas para fazer a prova. Entrei em uma livraria e sem querer, comprei o livro O Eu Profundo e Os Outros Eus, de Fernando Pessoa. Escrevo sem querer, pois estava viciada, na época, por Machado de Assis e entrei na livraria para comprar algo sobre o autor. Não achei. Então, com um simples olhar, avistei Fernando Pessoa. Já tinha lido várias de suas poesias, mas nunca cheguei a comprar ou procurar nada.
Olhei o livro com o intuito de encontrar aquele click que me fizesse comprar o livro. Na contra capa estava um trecho do texto Tabacaria. Não pensei duas vezes e paguei o preço merecido.
Essa história deve ter uns oitos anos. Entre muitos empréstimos de livros (coisa que não gosto nada de fazer), perdi o livro de Fernando Pessoa. Comprei muitos outros, mas o tal livro, aquele que foi o primeiro amante, não encontrei mais.
Há uma semana, Manoel sai, duas vezes por dia, da sua farmácia e vem à casa dos meus pais (onde me recupero de uma cirurgia) aplicar injeções em mim. Ele é casado com minha antiga e única babá, de nome carinhoso Zezé. Todos os dias, trocamos histórias sobre quando eu era pequena. Nostalgia,devo dizer.
Ontem, ao entrar no meu quarto, ele levou um susto. Livros, pastas e papéis estavam no chão, na cama e na cabeça de quem entrasse. Ao perguntar o porquê da confusão, eu respondi que estava sentindo saudade de um livro e que esperava encontrar, pelo menos, algumas anotações sobre ele.
Ao sair, perguntei ao Manoel: _ Onde está minha babá? Há anos não a vejo!
Hoje Zezé apareceu. Ela me trouxe um presente. O livro de Fernando Pessoa que perdi. Manoel perguntou a minha mãe qual o livro eu estava procurando. Zezé viajou uma hora até a cidade ao lado (pois em Pádua não há livrarias) e comprou o livro para mim. Fiquei emocionada. Não só pelo presente, mas por todo carinho de Zezé.
Minha mãe conta que eu era tão apegada à babá, que muitas vezes a chamava de mãe. Zezé adorava isso. Eu tinha febre quando ela viajava e ninguém sabe até hoje como me virei quando Zezé saiu aqui de casa (para casar com Manoel).
Depois da despedida, deito para reler o livro. Há uma parte grifada por Zezé e, para minha alegria, é um trecho de Tabacaria.
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".
Há pessoas que, mesmo estando distante ou se perdendo no tempo, voltam a nos assombrar como fantasmas alegres. Zezé e Pessoa são "almas" sempre bem vindas.
"Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada".