Alguém já reparou nas pessoas que vendem balas, salgados ou bebidas na porta do colégio ou faculdade? Não? Isso me admira, pois a convivência é longa. Já percebeu?
Na minha faculdade, Manuel era o rei das vendas. Baiano de 44 anos, chegava à s 5 da manhã e só ia embora à s 11 da noite. Ficava no ponto de ónibus contando histórias. Conhecia a maioria dos alunos e não tinha mau humor.
Conheci Manuel no primeiro período, quando gastava meus trocados em cigarros. Ele vendia mas sempre dizia: Olha a saúde, menina! Também era o melhor "pauteiro" da região. Sabia exatamente tudo o que estava acontecendo no lugar. Nas minhas provas de "reportagens surpresas", corria para o lado de Manuel só para saber o que estava acontecendo de novo. Muitas vezes fui assaltada e não tive dinheiro para voltar para casa (o que acontecia com muita gente) e Manuel sempre emprestava dinheiro.
O sonho do baiano era ter uma "loja" dentro da faculdade. Por causa do preço do aluguel, nunca conseguiu. No último período da faculdade, minha turma resolveu que, em vez de festa, poderíamos juntar dinheiro para pagar um ano de aluguel para o estabelecimento de Manuel. Conseguimos e no último dia de aula, carregamos a criatura até o lugar e falamos que era dele. O homem quase teve um troço. Beijou todo mundo e chorou a tarde inteira.
Ontem fui visitá-lo. Com o dinheiro das vendas, conseguiu permanecer no lugar. Me contou que nunca irá esquecer o que fizemos por ele.
Os cinco anos de conversa com Manuel foram essenciais para meu estudo. Ele tinha sempre uma frase que não me deixava desistir nunca. Aguçava meus sonhos, abria novas portas. Tudo isso de graça, fazendo graça.
Penso que cada aluno que frequentou aquela faculdade ainda se lembra dele, não como um vendedor qualquer e sim, como aquele que vendia "de graça" muitos e muitos sonhos.
Manuel acaba de se matricular na faculdade. Vai cursar Direito.