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cronicas-->Japan Legal -- 23/05/2002 - 17:38 (Alexandre da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O telefone toca na hora do Jornal Nacional. Não devo pra muita gente e todo mundo sabe que cobrador só liga em horário comercial. Mais tranquilo, atendo com voz de sono . Um desempregado sempre vive com sono. "Eu sou blablalla, da editora blablalaa, o Celsinho me falou do seu trabalho". Poxa, lembraram que eu existo. Vagueio entre as possibilidades que surgirão em seguida. Acordo de vez. "Você quer trabalhar num jornal no Japão?" O cara tá me gozando, penso. "Por que não? Quando eu embarco?". Foi mais ou menos assim que aconteceu. Eu não tinha nada para perder e os caras até que iam me pagar pra isso. Dois meses depois, em abril de 2000, lá estava eu, o ex-desempregado free-lancer cheio de projetos (por que inventamos tantos projetos que nunca faremos quando estamos na rua da amargura?), no Aeroporto de Narita, Grande Tokyo.
(IMPORTANTE LEMBRAR! Nada tenho de Japão nas veias. Sou filho de portuguesa, flamenguista da gema e o envolvimento mais próximo que tive com a cultura nipónica foi a paixão infantil pelos monstros do Spectroman. Até chorava quando um daqueles seres verdes feitos de lixo era trucidado pelo herói. E para meu espanto e profundo pesar, ninguém na ilha asiática, da minha faixa etária (coisinha pouco acima dos 25), lembrava do Dr. Gori e suas macacadas. Os japoneses só tinham, tem e terão seus olhinhos voltados para o Ultraman e sua família. Uma baita injustiça, anyway)
Via-se então aquele famoso choque cultural entre ocidente (eu, um mané perdido no outro lado do mundo) e o oriente. Marco minha presença logo de saída. Afinal, sou eu o desbravador. Pego um táxi e de cara levo a primeira bronca no novo país. "Sumimasem!" e mais alguma coisa que provavelmente era um série de palavrões. Meu crime? Coloquei os meus dedinhos sujos na impecável porta branca do carro do taxista. Isso é imperdoável. "A bugiganga abre e fecha sozinha". Como eu ia imaginar. Alguém devia ter me avisado. Os recados eram claros: "não paquere adolescentes, porque isso dá cana", "não coma baleias porque isso não é ecológico" e um monte de outras coisas. Mas ninguém me falou do raio do táxi. Me encolho na minha ignorància ocidental.

O fenómeno sumimasem
Com o episódio do táxi revelando que muito eu iria pastar pela frente, aprendi rapidamente quais eram as vantagens e desvantagens do sumimasem. Essa palavrinha mágica serve para qualquer coisa no Japão. Solte um sumimasem e você já será visto de uma maneira mais simpática entre os donos do pedaço. Esse achado linguístico significa por favor, dá licença, obrigado, mil perdões, tira a mão do meu carro, senhora, pode parar de pisar no meu pé dentro deste trem abominavelmente lotado? Enfim, serve pra tudo.

O montinho Fuji
Abro a janela da minha mansão, um apê de 8 metros quadrados com direito a banheira (por incrível que pareça, em dois anos de Japão não tirei uma foto deste lugar. Desculpe a mancada), e vejo que o verão chegou. Que bom, agora posso escalar o tal do Monte Fuji, símbolo maior da cultura japonesa. Entre julho e setembro, a escalada dos seus 3.776 é aberta aos mortais e esportistas de fim-de-semana. Formamos um grupo de cinco pessoas no jornal em que trabalhava e nos aprontamos para passarmos uma madrugada subindo a montanha. No nosso delírio tupiniquim, acreditávamos que em duas, no máximo, três horas, estaríamos lá no topo. "Não são nem quatro mil metros", é o que dizia, com desdém, a voz do povo. Pego a minha calça mais velha, meu tênis mais velho, as duas blusas mais velhas (você percebe que eu não entendo nada de escalada mesmo) e parto com a turma para a fácil aventura. Chegamos às nove da noite de um sábado e começamos a subir. Vemos o nascer do sol (uma coisa indescritível, lindo demais), tomamos chuva adoidado no lombo, passamos um frio danado (as duas blusas velhas não serviram para nada) e oito horas depois de uma caminhada exaustiva ainda faltavam 300 metros até o cume. "Sumimasem". Clamo esperando um colo amigo e nada. Um pirralho de oito anos, que deveria ter ficado em casa com seu Gameboy, me ultrapassa com facilidade e não parece nem um pouco cansado. Me encho de orgulho e encaro as últimas pedras. "Se ele pode, eu também posso". Uma hora depois, com a língua de fora, chego ao topo. O fã do Pikachu parece entediado com a minha façanha. Eu, literalmente, estou nas nuvens. E decido naquele momento que conquistaria o Himalaia. "Fácil, não são nem nove mil metros".

Bundinhas saudáveis
Eu sei que há por trás do sumó toda uma simbologia, todo um passado milenar, toda uma história de uma cultura. Mas, convenhamos, do mesmo modo que é ridículo ver 22 barbados correndo atrás de uma bola, não é menos engraçado assistir dois marmanjos com mais de 150 quilos cada, e com um pano no meio do boró, se enfrentando numa batalha de ursos. Vànder, Márcio e Fernando são três brasileiros que ganham dinheiro praticando o esporte predileto dos japoneses. Vivem há dez anos no país e não têm planos de voltar. São heróis, são idolatrados. São lutadores de sumó. E isso não é pra qualquer um. Percebo a importància dos caras, e desse esporte de uma maneira geral, quando comento com um amigo brasileiro (que me dava aulas de bateria) que fui convidado para almoçar numa academia de sumotoris, por causa de uma matéria que fiz sobre os brasucas. O cara deixa o queixo cair e, sem disfarçar a inveja, esbraveja. "Estou aqui há 20 anos e nunca tive a honra de provar uma comida feita por um lutador de sumó. Você sabia que isso é um prazer para poucos?". Não, não sabia. Ao comer o chankonabe (uma espécie de sopa de vegetais, carne e temperos asiáticos, um prato que deve ter uma história com mais 500 anos,e incontáveis mil calorias) eu me tornava parte da família do sumó. Isso não é bacana? E como que por um estalo, me via, nas noites de domingos, torcendo para os novos amigos em lutas transmitidas pela TV. "Tira a mäo daí. Empurra esse gordinho direito. Juiz ladrão, não viu que o cara escorregou?".

Garotada diferente
Conheci Harajuku na minha terceira semana de Japão. Era uma manhã agradável de domingo e eu não tinha a mínima noção do que ia encontrar pela frente. Ouvia os comentários na redação de que se tratava do bairro dos malucos de Tokyo. Fiquei curioso. Já no trem, encaro a nova face da molecada japonesa. E que nada tem a ver com aquilo que aprendemos no Ocidente ("os japoneses são sérios", "só pensam em trabalhar", "são discretos e tímidos"). Uma garota, na experiência de seus 12 anos, metida numa plataforma de 30 centímetros, cabelos amarelos e asas de anjo caído me apresenta a cara adolescente do Japão. E tudo isso sem chocar nem incomodar as senhoras, sentadas ao meu lado, que se encaminhavam para um enterro. Cheguei até a ouvir alguns Sugoi (traduzindo: que bacana!) por parte de uma ala mais liberal das vovós de luto.
Ao desembarcar na estação percebo a loucura do momento. Era um carnaval completo (E isso se repete em todos os domingos). Mais anjos, japoneses loiros, enfermeiros com machados na cabeça, bonecas com suas mamadeiras vazias, garotos e suas vestimentas que fariam Marilyn Manson corar de vergonha. Tudo isso numa agradável manhã de domingo. Deleite dos turistas e os flashs estocam sem parar. Sem cortar o cabelo há seis meses (então um recorde na minha existência) e duas semanas de barba por fazer (outro recorde) constatava que por mais rebelde que eu quisesse parecer (coisa de adolescência retardada, talvez Freud explique) estava bem longe daquelas figuras. Mas a rebeldia japonesa tem hora para acabar. Quando o menino, ou menina, faz 20 anos esquece a fantasia, tira a tinta do cabelo e encara o Japão que o Ocidente conhece. Uma pena.

Torcida quietinha
Ver futebol em um estádio japonês é uma experiência inusitada. O primeiro choque para um torcedor latino -americano é o total silêncio nos arredores do campo antes de uma partida começar. Bati cartão nos estádio de lá e mentiria se dissesse que vi uma turma entoando gritos de guerra ou cànticos como Uhh tererêe (lembra desse? Tirei do baú) nas ruas. E lá dentro, a sensação que tinha é a de que estava num teatro, num cinema, num enterro até, e não num estádio de futebol. Outro detalhe interessante é que as mulheres (meninas, senhoras, não importa a idade) são sempre a maioria. E aí, não espere que alguém vá xingar a mãe do juiz porque isso jamais acontecerá no Japão. Os aplausos surgem até na hora de um arremesso lateral. E o futebol vira um grande encontro onde o que menos importa é o resultado do jogo. Todo mundo se diverte..
Na final do Mundial Interclubes de 2000, o Boca Juniors da Argentina enfrentou o Real Madrid em Tóquio. Cerca de três mil argentinos estiveram no estádio fazendo aquela algazarra peculiar. Todos de pé, gritando e cantando. Dois minutos antes da bola rolar, guardas da segurança do Estádio Nacional se ajeitam na arquibancada. Pensei, "vai ter briga. Onde é a bagunça?". Que nada. Ao invés de empunharem seus cassetetes, os policiais levantavam inúmeros cartazes que diziam, em espanhol: "Por favor, torcedores, sentem-se porque o jogo vai começar". Acredita nisso? Os argentinos não sentaram mas ninguém pode acusar os japoneses de não terem tentado colocar ordem nas coisas (uma espécie de esporte nacional do país também). Essa é a cara do futebol no Japão. Romantismo que já vimos por aqui em tempos mais felizes.

Hai, Hai, Hai,
Uma das minhas certezas que foram por água abaixo assim que desembarquei em Tokyo é a que garantia que a mulher japonesa é submissa, acata as ordens do seu homem e da sociedade, anda sempre com a cabeça baixa e não emite sons muito distantes do típico e cultural Hai (traduzindo: sim senhor!!!!). Eu, pelo menos, trabalhando ou à paisana, não encontrei nenhuma. Até exagero. A mulher japonesa sabe muito bem onde quer chegar. E isso está de certa forma enlouquecendo os homens nipónicos. Os caras na faixa dos 30 não sabem mais o que fazer afinal a outrora patroa não quer mais ficar em casar cuidando dos filhos, enquanto eles curtem a noite com suas amantes. O Hai está em vias de extinção.
Linda, inteligente, brava que só mas adorável ao mesmo, Emiko Kouda é a carinha de um novo Japão. Brincava dizendo que ela, como japonesa, tinha que me respeitar porque era eu quem mandava na nossa mansão de 8 metros quadrados. Emiko, sem perder o charme, engatava: "Alê, você ainda não lavou a louça". Eu, que sempre dava a última palavra em casa, não pensei duas: "Hai, Hai, já estou indo!".

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