Hoje é dia dos pais, mas estou dividido: um terço de minha parte pai está ausente com o filho caçula; ainda resta, também, a metade de mim afetiva, que ficou com a minha fiel companheira, igualmente distanciada na geografia da saudade.
Assim, cortado ao meio e apenas com as duas partes de pai que aqui se encontram, assalta-me um filosofar insistente sobre o mundo e a sociedade que estamos legando aos nossos descendentes. E fico insatisfeito: o que tem feito o cidadão Ronald Soares, brasileiro, casado, magistrado e escritor nas horas vagas, para melhorar o mundo em que vivemos, seja do ponto de vista ecológico, seja do ponto de vista económico e social, seja do ponto de vista afetivo e sentimental. Olho para as minhas mãos vazias e até me espanto da minha enorme omissão. Na realidade, na prática, nada tenho feito. Sei, posso me escusar dizendo que sou um homem de poucas posses, quase não enfeixo poder, conto tão somente com as idéias que pululam no meu cérebro, alguns trocados de inteligência e, quando muito, com a força dos meus votos na Corte onde julgo os outros e a mim mesmo.
Passo os olhos pelas manchetes do jornal e vejo o cone sul reduzido à miséria, à subserviência, ao vexame de ter os seus filhos exilados voluntariamente para plagas distantes, árvores tenras arrancadas com raiz e tudo de seus rincões.
As nossas riquezas vendidas ao faminto mercado internacional por preço vil e a nossa total incapacidade de autogerir a nossa poupança interna e a produção das nossas riquezas.
Penso nas favelas, onde pessoas boas são misturadas e confundidas com os marginais, apenas por não terem dinheiro; penso nas crianças sem escolas, nos hospitais sem leitos suficientes; no pauperismo crónico do nordeste, arrimado na indiferença lendária dos que governam e na ignorància do povo pacato e bom, que ainda tem esperança e ainda tem fé.
Mas, lá bem dentro da minha consciência sobe um lenitivo para a minha angustiosa aflição: tenho procurado fazer a minha parte, falhando algumas vezes, é bem verdade, porque estou incluído no time da falibilidade, o time humano, mas sempre buscando acertar.
Então, mitigado o problema da consciência, procuro recobrar o equilíbrio da minha conduta diária. Hoje, afinal, eu sou pai e filho. No dia dos pais, agradeço, em primeiro lugar, a Deus por me permitir viver; em segundo lugar, aos meus pais, que me deram a vida e me transmitiram os genes da minha individualidade, por fim, Ã minha mulher que, na constància de um matrimónio que vai caminhando nas veredas do tempo, deu-me a fortuna de ser o pai dos meus três filhos e, por consequência, de ser avó dos meus, até agora, quatro netos.
Feliz dia dos pais para todos os pais deste mundo.