Eu jogava no gol. Vivia intensamente os lances dos grandes arqueiros que via nos jornais, no cinema e, porque não, ao vivo, no velho estádio Presidente Vargas, o PV como a galera gosta de chamar.
Além de jogar no time da Avenida do Imperador, com as partidas disputadas ali mesmo no calçamento de pedra tosca onde a gente, literalmente, esfolava os dedos dos pés, eu também jogava no time do Liceu.
Os padres sacramentinos, que eram os responsáveis pela Igrejinha de São Benedito, onde havia o santuário da Adoração Perpétua, logo que chegaram da Holanda, principalmente Padre Pedro, gostavam de jogar com a gente, mandando petardos violentíssimos para os ares.
Ali nos reuníamos e disputávamos as nossas peladas intermináveis, com disputas árduas, xingamentos e muito suor.
Lembro-me dos nomes de muitos: Gambetá, Paulo Lima Verde, Renes, Fanco, Reginaldo, Zélio(o Mitotonio), Sérgio (Cachorro Doido), Paulo, Almir(Burra Loura), Hermano(tripa), Antonio Jorge, Luciano Frota, Zé Frota...e tantos outros.
Quando era noite, principalmente nas noites de lua, quando quase sempre faltava energia, pois havia uma espécie de convênio entre a lua e o Serviluz, as famílias conversavam em cadeiras colocadas nas calçadas.
Todos se conheciam e se respeitavam. Havia um companheirismo gostoso, muito calor humano.
Às oito da noite, em ponto, começava a novela radiofónica da PRE-9, prestigiada emissora dos Diários e Rádios Associados, onde repontava a figura do radialista João Ramos, um dos galãs das rádio-novelas.
Parece que vejo a minha avó paterna, já velhinha, curvada sobre o rádio, ouvindo os diálogos e chorando com o sofrimento que vinha das ondas radiofónicas em doses homeopáticas diárias.
Estudante do Liceu, eu tinha orgulho de frequentar o velho educandário onde minha mãe havia estudado e ter como professores os mesmos que haviam lecionado para ela.
Na praça da lagoinha, com todo o encanto da fonte, ensaiávamos as nossas brincadeiras com as meninas e invejávamos os cadetes da Escola Preparatória, que com suas fardas e seu corte de cabelo conquistavam as moçotas do bairro. E, além do mais, tempos depois, o busto do estudante Jucá, herói pouco lembrado, que, para salvar do fogo alguns enfermos do Hospital César Cals, acabou perdendo a vida.
O Ginásio Sete de Setembro, do Dr. Edilson Brasil Soarez, ficava no outro quarteirão da minha casa e gozava de boa reputação pelo zelo e a deicação do Dr. Edilson.
O radialista José Lima Verde levava ao ar o programa "Coisas que o Tempo Levou", recontando com uma mistura de saudade e humor, os fatos de um tempo que ficara perdido nas brumas do passado.
Hoje, aqui do meu refúgio de Miami, ouvindo a voz de minha mulher fazendo recomendações sobre o nosso retorno, tendo diante dos meus olhos as fotografias dos meus netos, começo a relembrar as coisas que o tempo levou juntamente com a minha infància.
No entanto, há sempre um moleque escanchado em nossas costas - o menino que fomos um dia - dormitando e esperando que a ampulheta mágica consiga despertá-lo do seu torpor , quando ele então salta ao chão e vai cabriolar e fazer maluquices, correndo atrás de uma bola colorida, que vai sempre à sua frente, indiferente aos seus apelos e esforços, a colorida bola da felicidade...
O mundo era pequeno, naquele tempo de pós guerra, mas eram enormes os nossos sonhos.
(*) Juiz Togado do TRT da 7ª Região, escritor, contista e Membro da Academia Cearense de Retórica.