Na última sexta-feira houve votação. Os votos seriam apurados no final de semana e na segunda-feira conheceremos o resultado. Explico. Refiro-me à s eleições simuladas que ocorreram na escola onde meus filhos estudam. Ao acompanhar, o processo meio que à distància como uma espécie de observador externo, concluí que, pelo menos nos próximos quarenta anos, teremos uma política capenga, baseada no populismo e em promessas estapafúrdias. Pior. Teremos eleitores que cederão à s propostas mirabolantes dos candidatos. Digo isso com conhecimento de causa, já que minha filha de cinco anos era uma das candidatas a uma presidência fictícia.
Já são fartamente conhecidos os diversos slogans e gestos de campanha fabricados pelos marqueteiros - ou, no caso dos candidatos pobres, fabricados por eles mesmos - a fim de se tornarem uma espécie de marca registrada do candidato. Alguns de tão idiotas chegam a ser divertidos, como o cara que se registrou como Ninguém. Nos seus poucos segundos na TV ele detona: "Ninguém merece o seu voto, vote em Ninguém". Ou então de uma mulher que diz: "Não vote em branco. Vote em Neguinha". Entendeu a relação? Branco, preto... Neguinha... Pois é. Sem falar num tal de Cabeça de Repolho lá do interior do Ceará, ou um tal de Pastor Assis, que distribui uns santinhos nas estações do metró e cujo mote da campanha é: "queremos banheiros em todas as estações para fazermos xixi e cocó. Porque somos humanos e não somos robós. Quem quizer ser feliz, vote em Pastor Assis". Assim mesmo, com todos os erros gramaticais. E por aí vai Brasil à fora.
Mas retomando o fio da meada. Observei que, como candidata, minha filha seguiu à risca a cartilha populista. Lembram dos famosos cinco dedos do FHC na campanha de 1994? Representavam o que seriam os principais focos de ação do seu governo: agricultura, educação, emprego, saúde e segurança. Os anseios mais básicos da população. Respeitando as proporções minha filha fez o mesmo e foi mais além. Ao invés de cinco dedos ela exibia as duas mãos espalmadas. Dez dedos.Que representavam, basicamente, dez piscinas. Além das piscinas ela prometeu a construção de um parque de diversões na escola, distribuição de brinquedos entre os alunos, mais trinta minutos de intervalo para o recreio e ainda um aumento de salário para os professores. Ou seja, o típico discurso clientelista que visa atender uma determinada categoria, atendendo assim seus anseios. Obviamente ela foi ovacionada com seu discurso. Agora, daí a cumprir o que prometeu, no caso de ser eleita, é outra história. Ela disse o que faria, mas não disse de onde tiraria o dinheiro para isso. Em minha curta experiência de pai imagino que esteja esperando que eu banque a empreitada. Como não será possível, já estou planejando transferi-la para outra escola. Pois do contrário, num prazo de um ano a escola estará fervilhando em panelaços contra ela, que acabará por renunciar, recolhendo-se ao exílio do seu quarto.
Essa é a história de sempre. Chega um sujeito que explora tanto os anseios da sociedade que cria em torno de si uma aura de salvador da pátria. É esse sentimento quase religioso em torno de uma figura que me assusta. A adoração sem razão, a possibilidade de libertação de uma angústia reprimida, um sentimento paternal num Estado que abandona seus cidadãos à própria sorte. Uma grande massa que perambula tentando comprar a vida de cada dia a duras custas. E, como tudo indica, parece que a coisa vai funcionar assim ainda por muitos anos. Espero mesmo que essas crianças aprendam com o tempo.
Quanto a mim, não votaria em minha filha. A não ser que ela se comprometesse com a isenção da mensalidade escolar para os pais dos "presidentes" - no caso eu -, bem como todo material didático para si e seu irmão, além do transporte escolar, fornecido pela própria escola, sem nenhum ónus para mim. Não me levem a mal, mas tenho que levar alguma vantagem.