E eu aprendi a amar um amor sem bordas. E tenho a sensação estranha de que eu não deva desistir. Absurdo ver o amor derramando numa imensa vontade de ser una. Una com essa manhã cinza de um frio fora de tempo. Una com essa vontade de ter a pele dele. ( O absurdo é tão somente o que não aceita um desafio? É apenas aceitar a regra imposta? Como se o dito fosse um rito... O absurdo é não poder mais amar; ) Una com uma vivência mais natural. Una com toda a natureza, com a paz e com a autenticidade de reagir. ( Mas ele é apenas um menino de 21 anos que eu aprendi a amar loucamente, amar cada suspiro dele e cada minuto dessa ausência insana. ).
Não há coerência na paixão. Eis sua razão de ser. Mas no amor tudo é coerência, tudo é de uma harmonia sublime. O amor sem bordas sabe não ter rumo certo, sua coerência está na imprecisão, mas ainda assim ele é fértil, manso, quase caipira. E de tão frágil e ao mesmo tempo intenso, vai construindo teias. Relendo antigos versos. Ouvindo as canções mais tolas. Tecendo o fio da vida como um processador de novas formas de viver. O amor sem bordas não teme. Não tem muita razão, pois não é mesmo pra ter. É essencialmente uma explosão de ser. E de repente o dia amanheceu.
Caminha pelos cantos, sobe pelas paredes, chora de saudade e emudece. Dias e dias vazios. É amor de quem amadureceu e não perdeu a inocência. De quem morre se perdê-la. Porque pressuposto básico do amor sem bordas é não esperar nada em troca, mas esperar... Esperar... O amor sem bordas não tem pressa alguma. Quer estar junto sem invadir, dividir. Ouve as canções da infància. Invade a casa do vizinho, toma um café. Está na sala de aula. Morre de rir. Estoura a espinha da terra. Quebra o espelho. Amaldiçoa e se arrepende. O amor sem bordas é eternamente adolescente e quase ancião de tão sábio. ( E, de repente: Ele não tem nada a ver comigo. Somos de mundos diferentes. Ai, que coisa mais paradoxal. As vezes ele está tão estranho. Hoje mesmo ele entrou e nem falou comigo. Zorra, nem gravou o número novo do meu telefone. Também... Quando ele nasceu eu já sabia ler... Ah, ele ainda é um menino de 21 anos. )
Mas o amor sem bordas é dissimulado... Fala que ama, mas não diz. Faz parte de sua magia querer ser lido nas entrelinhas. E inaugura então o idioma do sorriso. O amor sem bordas diz "eu te amo" quando ri. Então para entender o amor sem bordas alguém terá que saber ler sorrisos? Não, você pode também não entender. Ele não faz a mínima questão de ser entendido. Ele é poliglota! Fala em tatibitate também. Não que ele não tenha seu orgulho, tem sim, ora, sendo sua razão amar, o amor sem bordas quer ser reconhecido sim, ter seus minutos de fama no brilho do olhar de quem o captou.
É como um golfinho. Belo e escorregadio. Muito engraçado e adora criança. Mas esconde uma certa tristeza sim... Lá num cantinho da alma de quem ama o amor sem bordas há uma tristeza distraída ( e que fique assim por muito tempo! ) E, de repente, a gente se percebe mais paciente e calmo. Mais assíduo. Mais responsável. Bem mais cidadão. A gente se percebe mais inteiro. Feliz como golfinho e não como gente.
O amor sem bordas embora ressoe em todo coração que encontre, é egoísta, ama primeiro a si mesmo. O amor sem bordas sabe que é a única forma de amar, mesmo assim, deixa os meninos brincarem dizendo que amam; é tão bonito ouvir falar de amor... Mas eu ainda não me declarei ( ou já? ). Isto não faz nenhuma diferença. Não vou deixar de amar.
O amor sem bordas morre de medo de dar certo. Ele sabe que é correspondido, só não quer admitir. Tão simplesinho. E vai assim... Passando dias e dias. O amor sem bordas não quer nunca acabar. ( Eu adoro o jeito dele falar, amo cada monossílabo, cada respiração...) Quem pode imaginar o quantum do amor sem bordas? Quase uma heresia...
O amor sem bordas acredita no poder da palavra. É como um senhor alto, magro, de chapéu e um bocado de idealismo, sempre com uma frase gentil... O amor sem bordas é a cara de Gentileza! É também um adolescente de boné que rabisca versos no caderno que jamais teve coragem de mostrar para a menina de óculos ocultando os olhos, agasalho escondendo o corpo e tantos outros versos que jamais teve coragem de mostrar para o adolescente de boné.
O amor sem bordas ama sem olhar para os lados, pois não se importa de ser visto, embora a miopia reinante lhe permita certa clandestinidade. O amor sem bordas fala palavras obscenas. Ele desconhece tabus.
Não que seja vanguardista. De fato, é um conservador. Estabelece uma nova ordem para sempre insubstituível: Amar sem bordas. Daí emana seu aspecto revolucionário... Nada será como foi. ( Mas eu preciso levantar agora.... Lá fora cai uma chuva forte e tão escuro está o céu, que eu quero ver a chuva, costurar no tempo, imaginando como seria ele aos dez anos de idade chateado por uma chuva como esta lhe impedir de ir jogar futebol. E dormir um bom pedaço do dia também.
Alyne Roberta Neves Costa
Salvador, 16 de março de 2001