"Para que os homens dêem um único passo
para dominar a natureza por meio da arte,
da organização e da técnica,
antes terão que avançar três
em sua ética."
Frederich Leopold Von Hardenberg
Completamente travestido com meu uniforme de gala, sento-me à frente dos comandos da máquina maravilhosa que pode me levar através do complexo e pretenso universo de conhecimento e aventuras. Navegando fascinado pela tecnologia e emocionado pelo vasto, esqueço as horas e me transformo num virtual e poderoso cidadão do mundo moderno.
A cumplicidade dos tripulantes me torna confiante, e mesmo sabendo que somente os vejo através de armaduras e máscaras, me entrego e embarco numa viagem perigosamente racional, onde a profundidade do ego se acentua a cada movimento dos dedos pelos controles da nave e a cada interação com o artificial. O cotidiano esforço pelo prazer do novo e a desenfreada corrida à última palavra da tecnologia, modelo do homem moderno, adormece a criança e mumifica meu consciente.
Vez por outra, na cama ou no silêncio da solidão, me acho. Me contorço. Choro. Berro. Desmancho. Mas nasceu o sol e com ele o inesperado. Finalmente!
Foi na china? No Peru? Na Alemanha? Nem me recordo. Encontrei um grande amor... Maravilha! Sua pele reluzente, seus tentáculos me abordando a quilómetros de distancia, seus ouvidos sugando meus "sites" mais recentes, seus lábios se misturando aos meus lábios, nossos dedos se cruzando por entre teclados e "mouses" naquela troca de neurónios, como se "bytes" fossem. Incontáveis instantes de infinito em órbita do intocável e incomunicável. A resposta e a pergunta. Estão todas lá. Basta tocá-las, "clicá-las", nunca senti-las. Mas estão lá. Diante dos meus olhos, a mil milhões de quilómetros, ou aqui, no meu colo, dormindo esplendido. E é um mundo de verdade, de mentira, da maneira que eu desejar.
E as vozes?
De onde vêm?
Será que existe um ser humano por traz?
Será homem?
Mulher?
20 anos?
30?
40?
Parece mulher. Parece de 20. Parece solteira.
Mas onde estão seus olhos...
Na tela se forma a imagem de um rosto, talvez montado por figuras de velhas revistas em movimento.
E meus olhos...
Onde estão...
Vejo letras, ícones, vejo sons, onde estão esses olhos...
Talvez perdidos nas entranhas do "syber space".
Certamente não é realidade virtual e sim, verdadeiramente, uma virtual realidade.
Mas me apaixonei!
Pelo mundo. Pela tecnologia. Por ela. Sei lá. Me converti num neófito, jactancioso, crédulo da multiplicidade nessa missa negra do inesperado.
Ontem passeamos por Nova York antes de visitar o fundo dos oceanos através das imagens de um telescópio gigante que gira pelo espaço procurando Galileu. Que lindo! Até agora sinto os olhos ardendo.
E a conta do telefone?
Deixa p´ra lá. Esse mundo é outro, é ficção, não é hora.
Hora?
Que horas são?
Já?
Rápido ao banho! Tenho um encontro.
Não... não adianta mais, já passou a hora marcada.
Um...
Era virtual mesmo... não importa.
Tenho que desligar essa máquina dos diabos! São três da manhã!
Minha companheira dorme sozinha na cama.
Vou para o quarto, deito, fecho os olhos, me encontro. Me encontro sob os lençóis. Me encontro sobre as nuvens. Me encontro sobre o corpo dela. Parece um sonho, sonho com ela. Estamos na Grécia, no Egito, no Caribe. É difícil distinguir o que é sonho do que é virtual ou real. Finalmente... Puxo o fio da tomada e desligo o sonho, o "moldem", o sono.
Abro os olhos.
Mas...