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cronicas-->Eu sou aquele que disse... -- 15/10/2002 - 02:08 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fico em casa com o fone no ouvido, escutando os automóveis invadindo a simples cidade de Sergio Sampaio. Não tenho vontade de olhar meu rosto no espelho e ver a barba mal feita e o desmazelo do cabelo emaranhado. Os sinos da igreja continuam badalando em minha cabeça, e ressonando na minha imaginação. Há dois dias que não consigo dormir e sonhar com os olhos fechados realmente. A cozinha continua suja, com tanto limão pelo chão. Os cachorros do padre continuam a ladrar no pátio interno da igreja. Seriam ladrões a colocar a santa paz do senhor em perigo? ...ou não.

Neste inverno, o inferno astral e meus olhos vermelhos não me deixam pregar os olhos e dormir profundamente. No pátio inte4rno os ladrões... ou não... O interfone toca e um menino me pede um cobertor ou lençol velho com o que se cobrir durante o inverno. Sei lá... Não quero comprar gás de cozinha. Não quero doar nada, mas aceito qualquer doação... Não me espere pra beber seu veneno. A barra pode até aliviar, ou não... Estou aqui no drama cotidiano das canções do Sampaio, estridentes pelo fone do meu ouvido...

Ontem não descansei nem um pouco, mesmo sabendo que o domingo é dia de descanso. A vida passa, eu fico louco e rouco de tanto me esforçar para lidar com tudo isso ao mesmo tempo. Não consigo mais para de escutar as canções de Sergio Sampaio que me fazem a cabeça, e o meu coração de vidro não parou de andar... Tudo começou quando consegui colocar minhas mãos numa cópia da Sociedade Grã-Kavernista Sessão das 10, pelos finados Sergio Sampaio e Raulzito Seixas, que veio da Bahia pra modificar isso aqui...

Não se pode sustentar esse acorde, desse fracasso do lado esquerdo do avesso do peito. Andei colocando todos meus velhos fracassos nas paradas de sucesso. Arrebentando a corda do violão... Fugindo nesse trem pelo hiper-espaço, através daquela nebulosa em nosso lindo balão azul. O corredor do edifício estava deserto, as ruas, esquinas, praças estátuas, e monumentos também jaziam sem vida nesta cidade vazia.

Meu aeroplano pousou em marte, e viu nada e ninguém. Viajei de trem para além de minha imaginação. O concreto rachado e a luz incidente nos pedaços de tomate jogados no chão, corroíam a calçada, obstruindo a passagem dos pedestres. Eu vejo cachorros latindo pra lua, enquanto os cordeiros pastam e pagam seus pecados a Deus. O vizinho chegou em casa fazendo barulho e pisando forte em cima de minha cabeça, sua mulher veio atrás arrastando aqueles malditos tamancos. Os dois ignoram a madrugada e conversam aos berros como se o universo fosse apenas a dupla existência dos dois. Enquanto isso, os marcianos normais continuam sem dormir, e incomodados pela discussão. Cala a boca, ZéBedeu...

Sou apenas um menino crescido que não passa de um barco vazio, um copo sem vinho, e um gato vadio. Olhando as luzes pela janela da sala, vendo-as se extinguindo pouco a pouco. A velha locomotiva partiu e deixou seu mais ilustre passageiro pra trás. O bêbado inconveniente que tropeçou por não se lembrar de ter bebido nada. A vitrolinha MP3 continua tocando as melodias de Sergio Sampaio. Bendita a invenção de compartilhar-se música pela internet. Mas no final, o drama do cancelamento do napster e audiogalaxy, era bom demais pra ser verdade. Foi ela quem jogou o violão de estimação pela janela da sala...

De novo a velha ladainha da melancolia e da solidão, irrompendo o silêncio da madrugada afora... Foi ela... Por trás dos edifícios da cidade moderna, o asfalto e o concreto emergem como grandes labirintos negros, sob os nossos pés descalços. As nuvens cinzas de poluição explodindo na escuridão da noite e adiantando o eclipse. Os acordes dissonantes do casal de vizinhos continuam a martelar o inconsciente coletivo do condomínio. Tudo enche meus ouvidos no filme que eu vi...

Eu quero é colocar meu bloco na rua e me esquivar dos cordões umbilicais de isolamento espalhados pelo `sambadrome´. Meu amigo, um dia eu ouvi maravilhado, no radinho do meu vizinho, seu rockezinho antigo... Nesse dia, nesse mesmo instante, a terra parou como se uma bomba explodisse no ar, e não foi nenhuma operação da AlQaeda, nem show do tremendão `brasa-mora´, dirigido pela Marlene Matos na `rede-grobo´... Blues tão rico...

Há quem diga que eu dormi de toca, perdi a boca, e fugi da briga... Que eu cai do galho e não vi saída, e morri de medo quando o pau quebrou... Realmente não sou de nada, não sei de nada... Aliás, nem me lembro de muita coisa... Porque o herói é, e sempre será, aquele que não teve tempo de correr. Não pretendo ser herói em nada, nem mesmo campeão de qualquer coisa. Quero a coisa mais simples de tudo que se possa imaginar. Eu poderia isso e aquilo, mais daquilo e um grilo menos disso... Eu quero é botar meu bloco na rua tocando velhos frevos e antigas canções carnavalescas do tempo do `onça´.

Suje os pés na lama e venha conversar comigo... Comigo. Desça deste pedestal e venha, sem medo, a barra não está pesada, a barra pode aliviar...Eu acho tudo isso uma grande piada, ou então eu posso achar... Não vale a pena tentar me escutar, mas venha não tenha medo, ou não... O Balaio do Sampaio continua a martelar a cabeça do amigo, aqui na rua Moreira 65. Não espere que eu fique pra ver você chorar, eu moro longe e posso nem chegar. O orgãozinho `hammond´ antigo da canção dilui como veneno no copo de uísque derramado em cima da pia, misturado com lança perfume. Demore o tempo que for necessário, eu posso nem voltar...

Os astronautas estão invadindo a cidade moderna, e repleta de luzes piscando, piscando, piscando, piscando, piscando.... Piscando... Entre as flores escondidas lá embaixo entre as feras...O auditório aplaudiu a canção que o Sampaio cantou, novamente, mas cuidado com a porta da frente. Dona Maria de Lourdes está esperando por mim. Diga-lhe apenas que estou no bar da esquina, atrás da igreja, e onde quer que eu esteja, eu não estou...

O som do Sampaio e suas letras cotidianas, cheias de visuais e lembranças antigas, de um passado distante e perdido nas memórias esquecidas da cabeça de um miserável desmemorizado... Tanto limão pelo chão... No pátio interno os ladrões... O pior dos temporais aduba o jardim... Ontem o anúncio das viagens espaciais, e dos foguetes fretados por artistas internacionais com os bolsos cheios de dólares, me deixou acordado até o amanhecer. Ponderando o quando, onde e quanto iria custar-me pelo excesso...

Quem sair de casa agora, vai ver um filme de terror, na sessão das dez, um filme de terror... O resto não tem vez... Mas já não me importo com nada mais que importa, e nem mesmo se alguém batesse á minha porta, eu importaria... Não é preciso chorar pelo leite derramado, já que quem sai na chuva, sai pra se queimar... Tenho pressa, muita pressa de chegar até o fim logo de uma vez, e ver qual é o preço de tudo isso... Não deixo nada para os outros e levo tudo comigo...

Não faço questão de que chorem no meu fim. Quero apenas a paz de não ser devorado ao final... O que acontece, é que estou aqui em casa ouvindo as canções do Sampaio, evitando descobrir a porcentagem final da campanha presidencial dos malandros e otários. Tudo tem seu preço exato, e já que escapei da armadilha e cheguei até aqui, vou ficar... Assim, quieto e tranquilo, como se nada houvesse acontecido. Vou procura viver além de mim.

Não vou ao cinema, que é pra não comprometer minha condição de critico em potencial. Vai que o filme de terror, que eu assisti, é bom mesmo. Se não tiver nenhum defeito, isso por si só, já será o maior defeito. As noites de forró no bar da esquina já tiveram seu fim, nos telefonemas anónimos dos vizinhos insatisfeitos, que procuravam dormir sem sucesso. A prestação do seguro subiu e não há nada o que fazer...

Os documentos de identidade forma todos perdidos, e já não sei mais quem sou... Nem mesmo tenho o CPF... O Balaio do Sampaio deve partir a qualquer momento, e eu pretendo estar nele, curtindo as delícias cotidianas das letras envoltas de figuras cheias de mistérios... Venha, não tenha medo... Viaje conosco, e mesmo que tudo isso não passe de uma grande piada, você pode não achar...


[Esta crónica, possui vários trechos de letras do cantor/compositor Sergio Sampaio, livremente adaptadas, e que foram utilizadas aqui, como samplers literários.]



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