Escancarou a janela e deu de cara com o sol. Sorriu, espreguiçou-se, coçou os olhos e procurou espantar o resto de sono que ainda havia no seu corpo. Na jadineira, um pássaro trêfego trinava um hinozinho de louvor ao novo dia enquanto tentava pegar com o bico uma palhinha para tornar macio e morno o ninho que estava construindo na acácia chuva de ouro defronte ao prédio.
Lá embaixo, a zoada insuportável do tráfego matinal, porque a cidade desperta com uma pressa dramática de quem quer realizar todas as coisas ao mesmo tempo.
Olhou para o pássaro e tentou entabolar uma conversação, afinal, São Francisco fazia assim, não é verdade?
- Olá, irmãozinho, como se sente no meio desta selva enfurecida ?
O pássaro, é óbvio, não respondeu. Ao contrário, deu uns tres saltos nos galhos floridos das alamandras, e voou para longe daquele curioso ser humano.
Sorriu uma vez mais. Estava feliz. Estava sadio. Respirava a plenos pulmões aquele ar carregado de óleo diesel, fumaça e gás carbónico. Mas, respeirava ainda assim. Resolvera os seus assuntos sentimentais. Conseguiu aprovação no teste para o novo emprego. Tinha apenas 21 anos e era dono de uma grande fatia do universo, apesar de saber-se tão pequeno. Tinha plena consciêncvia de que era único no mundo. Não havia clone seu. A fábrica que o fizera perdera a receita. Aí, parou e pensou um pouco nos seus pais, morando no interior, desconhecendo as violências e os ruídos enervantes da vida citadina.
Passou a mão pelo queixo e refletiu:
-Preciso fazer a barba e começar o meu dia.
Ato contínuo, correu para o banheiro e ingressou de corpo e alma no drama de um novo dia de rotina.