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cronicas-->BRAZILSÃO DE PAPELÃO -- 06/11/2002 - 12:00 (Felipe Lemos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ainda tem muito lixo para se juntar no Brasilzão de Papelão. Muito jornal para ser levado na carroça. Muito trocado para ser encontrado; fruto do suor derramado sem saber o que é cansaço. Numa ponta, alguém vende o jornal para o homem que pesa e paga. É o mesmo jornal que noticiou ontem tantas desgraças, tantos escàndalos financeiros, tantas disputas pelo poder, tanta corrupção, tanta mentira, tanta moda, tanta bobagem. O jornal que afirmou, através do seu editorial, que o governo não consegue, não pode e não quer resolver os problemas.
Problemas tem quem simplesmente arrecada seus 300 reais por mês para sobreviver com fome. Enchendo a barriga dos filhos e esvaziando a sua mente. Às vezes, descarregando tudo o que pensa no boteco, onde queima os últimos reais (ou irreais). Volta bêbado para casa a fim de ser uma estatística da péssima qualidade sócio-econónica. Vira número do Dieese, do IBGE, de qualquer lugar...
Só não vira o jogo contra a miséria, a falta de educação e a saúde. No Brasilzão de Papelão, tudo é tão frágil. De repente, enquanto dorme, a família desperta com o metralhar corriqueiro dos vizinhos violentos. Muitos querem ganhar dinheiro fácil e rápido, querem vender droga, querem melhorar a vida da favela, querem dar entrevista posando de criminoso internacional dentro dos presídios. Querem subornar a polícia e se transformar em celebridades nacionais. E saem matando, cometendo chacinas. Aparecem mais que os políticos. E nem concorrem às eleições.
O Brasilzão de Papelão está quase caindo com as ventanias do egoísmo, do desrespeito mútuo, da ganància, da falta de noção da dignidade humana. Todo mundo volve seus olhos à selva de pedra, mas esquece dos outros brasis miúdos e excêntricos espalhados pelos quatro cantos da ex-colónia européia. Lugares onde a vida vale uma noite de prazer entre menina prostituída e rico fazendeiro. Onde lutar por uma terra é necessariamente morrer pelo quinhão.
E enquanto se produz, se brinca, se alegra, se chora de emoção, no Brasilzão de Papelão, fecha-se os olhos para a ignorància sobre o que está ao redor. As universidades estão menos distantes, porém o saber cada vez mais longe. Talvez se encontre força no dobrar de joelhos em oração sincera, em devoção, em contrição, em fé. Não é cair em alienação doentia e fanática; é se permitir um banho de esperança. É trabalhar pelo cidadão ao lado, minorar sofrimentos, ouvir e ser ouvido.
Sopra o tufão e abala-se o Brasilzão de Papelão. Só não se move quem tem coragem e confiança infundidas na mente. Ainda peregrina, todos os dias, para o centro catar papel. Sem saber se voltará, no entanto com a certeza de que viveu vida plena, satisfeito, repleto de júbilo. Ajudando a manter firme o Brasilzão de Papelão.
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