Tenho o hábito de pegar os livros que já li e reler alguns trechos sem nenhum tipo de critério. Outro sábado, sob o sol abrasador e ouvindo Rise de P.I.L., abri mais uma vez Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquéz. Abri no trecho em que o Coronel Aureliano Buéndia se viu de frente com o pelotão de fuzilamento. Buéndia caminhou pelas ruas de Macondo levado por seis oficiais da província com as mãos na cintura, pois os furúnculos das axilas impediam-lhe de estender os braços. Pensava sobre sua sorte durante aquele melancólico e lento cortejo. Lamentava-se aturdido pela desventura de ser morto por seis "maricas" e sentira o gosto da morte como algo viscoso e amargo que lhe enchera a boca. Por sorte o Capitão Roque Carnicero não autorizou o fuzilamento graças a intervenção do irmão do condenado: José Arcadio.
Dispensável dizer a maestria com que Marquéz descreve a morte: algo viscoso e amargo que enche a boca.
A morte, acho eu, deve ser encarada como uma coroação, o último ato, a última fronteira. Feliz é aquele que morre no esplendor de sua decrepitude e serenidade. Haverá o tempo em que comemoraremos a morte dos anciões, como já sugerido pelo célebre Akira Kurosawa em um de seus Sonhos.