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cronicas-->SIMPLESMENTE FRANÇOIS -- 07/12/2002 - 14:15 (Ingrid Valiengo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
François me chama de Morcega. Sempre, no trabalho, espero a hora de ouvir a frase: _ Já chegou, Morcega? Nunca perguntei o significado do apelido. E ontem, em casa, me deu uma vontade imensa de saber da onde veio esse "chamar de nome". Ligo para casa de François, esperando uma resposta, mas ele não se encontra no recinto. Por isso, durmo pensando no significado.
Miguel Fallabela conta que sua amiga Regina morava em uma vila e era constantemente observada por uma vizinha, que dependurada em sua janela, via a vida alheia passar. Numa ocasião, quando Regina vinha passando toda produzida, pronta para a noite , ela soltou a pérola.
_ Já vai, né, Morcega?
Daí o meu apelido, acabo de saber pela voz de François. Ele cola, descaradamente, o apelido de outro. E a razão é bem óbvia. Sou do tipo de pessoa que quando parte, vai embora mesmo. Não há um segundo sinal. E o único sinal é de morcega: quieta e veloz.
François gosta das coisas simples da vida. Ele gosta de teatro, gosta do futebol eficiente, e, principalmente, adora as pessoas simples. A vida para ele não tem sentido se a simplicidade não estiver presente.
Terça-feira passada ele me fez um convite irrecusável. Deveríamos sair para assistir um filme no pátio da antiga faculdade. Um filme de Marylin Moroe. Sentaríamos no chão, dividiríamos o mínimo espaço com qualquer pessoa que quisesse se aproximar. Jorge indagou na hora. _ Para quê assistir um filme no chão se vocês podem ir à locadora e alugar o mesmo filme? Só que Jorge não entende. A ansiedade em estar perto demais das coisas boas e normais é o que François quer.
Não fomos ao filme, choveu no dia. Mas o meu pensamento continua fixado na simplicidade das coisas. Não apenas na vida do meu amigo, mas nas coisas simples que eu deixei de fazer. E hoje, assistindo imagens e pessoas vinda de François, penso nas inúmeras coisas que deixei para trás. Não canto as velhas canções de Caetano Veloso, não olho o mar com clareza e principalmente, deixo para trás a admiração da manhã.
"Nossa Senhora, com Menino Jesus em seus braços, resolveu descer a Terra e visitar um mosteiro. Orgulhosos, todos os padres fizeram uma grande fila, e cada um chegava diante da Virgem para prestar sua homenagem. Um declamou belos poemas, outro mostrou suas iluminuras para a Bíblia, um terceiro disse o nome de todos os santos. E assim por diante, monge após monge, homenageou Nossa Senhora e o menino Jesus.
No último lugar da fila, havia um padre, o mais simples e humilde do convento, que nunca havia aprendido os sábios textos da época. Seus pais eram pessoas que trabalhavam num velho circo das redondezas, e tudo que lhe haviam ensinado era atirar bolas para cima e fazer alguns malabarismos.
Quando chegou sua vez, os outros padres quiseram encerrar as homenagens, porque o antigo malabarista não tinha nada de importante para dizer, e podia desmoralizar a imagem do convento. Entretanto, no fundo do seu coração, também ele sentia uma imensa necessidade de dar alguma coisa de si para Jesus e a Virgem
Envergonhado, sentindo o olhar reprovador de seus irmãos, ele tirou algumas laranjas do bolso e começou a jogá-las para cima, fazendo malabarismos, que era a única coisa que sabia fazer.
Foi só nesse instante que o Menino Jesus sorriu, e começou a bater palmas no colo de Nossa Senhora. E foi para ele que a Virgem estendeu os braços, deixando que segurasse um pouco o menino".
Talvez François possa me mostrar as coisas simples da vida. Ou talvez a vida não tenha mais tempo de me mostrar o que já perdi. O certo mesmo é a falta. E quando se tem uma pessoa por perto que admira o que você perdeu, fica ainda mais difícil de esquecer o que é para ser lembrado. Só que François leva com ele a Morcega. A simples morcega que agora se retira rápida e veloz.

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