Eu vi muitas cenas do quixotesco piquenique que o presidente e seus ministros realizaram em sítios da pobreza nacional, escolhidos a dedo, assim que se instalaram nas esplanadas de Brasília.
Sim, vi favelas atoladas na injustiça social.
Vi, outrossim, casebres pendurados nos riscos do desabamento. Ou balançando na corda bamba de necessidades prementes, que evidenciam a ausência dos cuidados que, por parte dos poderes públicos, todo brasileiro merece.
E vi o povo. Sempre benévolo e satisfeito, com boas carnes e roupas festivas no corpo, ovacionando o carismático líder (arauto dos dias melhores com que esteve sonhando, desde que a visita da augusta comitiva lhe foi anunciada).
Mas, felizmente, não vi nenhum grupo de pessoas esqueléticas, quase desnudas, imensamente tristes e completametne abúlicas.
É certo que vi também um menino raquítico, aqui; uma descarnada mulher, ali; um homem magro acolá...
Encerrado o noticiário, refleti.
E achei que FHC tinha razão quando declarou em Oxford (Estadão, 14/11/02): A fome atinge maciçamente regiões da África e da Ásia. Há casos raros no Brasil. O problema no Brasil é a desnutrição.
Um pouco antes (Estadão, 3/11/02), o representante da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO), José Turbino, peruano, avaliara em mais ou menos 22 milhões o total de famintos e desnutridos existente em nosso País (as estimativas do Fome Zero dobram este número)...
Enviados especiais do jornal O Estado de S. Paulo, que acompanharam a turnê inaugural da administração PT, escreveram (12/01/03) que ninguém passa fome em Guaribas, por onde o desfile ia começar (e não começou); e que em Itinga, ponto final do passeio, as reivindicações principais da população foram duas: a construção de uma ponte no Rio Jequitinhonha e o funcionamento do hospital (está lá, mas permanece fechado)...
E agora?
Fome é palavra angustiosa, sensibilizante, aglutinativa. Fome Zero, por ora, é um programa impactual, adequado para um governo de cunho populista...
A definição do que na verdade será, só há de aparecer nos atos de sua execução (os primeiros já deviam ter ocorrido).
Todavia, se afinal matar a fome e zerar a subnutrição do Brasil; se reduzir a quantidade de favelas; se espalhar obras contra a seca do Nordeste e enfieirar tubos de saneamento nos territórios doentios, receberá sem dúvida o troféu História (e não apenas os aplausos circunstanciais da atualidade).
É bom, no entanto, que o simpático Lula não se esqueça da ponte sobre as águas que cruzou imprudentemente...
Nem de abrir logo o hospital dos mineiros...
E vá a Guaribas, num desses fins de semana...
Dar um cheiro nas mocinhas.