Resolvi parar o tempo. A pressa se foi. Sento-me aqui, neste banco de madeira do terminal urbano, e observo. Apesar da fumaça que queima minhas narinas maltratando os pulmões, permaneço. As pessoas se esbarram, pouco se olham e o medo domina. Mãos na bolsa, atenção no tráfego.
Do ónibus desce a senhora carregada de sacolas. Na outra plataforma um sujeito tenta parar o coletivo que já arrancara do ponto. Tarde demais. Perdeu a hora e, pelo desespero, algum compromisso importante. Só restou xingar o motorista. E assim todos. A gurizada indo e vindo dos colégios, os trabalhadores, os andantes e os perdidos. Ah, os perdidos, no meio daquela confusão estamos quase todos nós. Perdidos?
O vendedor de passes, essa nova classe de trabalhadores que encontraram na informalidade uma maneira de sobreviver, caminha. E assim andam os demais, com balas, cigarros, incensos, perfumarias e todos os tipos de porcarias que compramos enquanto esperamos o demorado transporte. Mas não quero saber do tempo, pelo menos neste instante.
Aproxima-se um pedinte, que de imediato me assusta. Seguro mais firmemente a bolsa e descubro que é apenas uma criança. Me pede uns trocados, digo que não tenho. Ele insiste e percebo que procura mesmo é atenção. Me conta que mora na rua, dormindo nas calçadas que durante o dia servem de passarela para nós consumidores. Mas passa a polícia e ele corre.
Chega meu ónibus. Antes que as portas se abrissem uma equipe de garotas uniformizadas entregam-me um santinho do candidato. Perguntei quanto elas estavam ganhando e, ao me assustar com a mixaria, tentaram aliviar minha consciência dizendo que se o tal santinho for eleito elas ganham um emprego. Achei melhor entrar ligeiro e pagar a passagem reajustada sem me queixar.
Ah, minha casa, doce casa que é só minha. Tenho irmãos, mas eles têm o seu espaço. Aqui permaneço, com medo do mundo lá fora, sozinho, trocando os canais da TV a cabo. Um pizza por telefone, um e-mail para Paris, um fax para a China e não preciso do mundo lá fora.
- quem tomou o meu suco que estava na geladeira?
E assim assustamo-nos, uns aos outros, espantando a inerente sensibilidade aparente do ser humano. Melhor não pensar nessas coisas. Abri uma caixa de chocolates e dormi sem escovar os dentes.