Lá vinha o trem da Central do Brasil, com escala em Caxias, a caminho de Raiz da Serra. Ao parar na estação, ele pedia silêncio: Piiissssiiiiuuuuuu!
E eu ficava mais feliz que pinto no lixo, pois em poucos minutos estaria a caminho de Piabetá. Naqueles vagões de madeira puxados por uma locomotiva a diesel, eu me sentia um príncipe garoto que viajava sozinho. Era dono do mundo. O trem ia subindo a serra por lugares que as minhas lembranças insistem em me cutucar: O Armazém Azul, o Cemitério do Corte Oito, a Fábrica de tecidos, as estações de Gramacho, São Bento, Campos Elísios, Primavera, Saracuruna, Morabi, Imbariê, Santa Lúcia, Parada Angélica e finalmente, Piabetá. Lá moravam dois amigos de meus pais: o senhor Manhães e sua esposa Nair.
Ele trabalhava na estação ferroviária, era gordo e bonachão. Estava sempre com um rádio no colo, grande e barulhento. Era um Transglobe, que fazia sucesso na época pois "pegava" até as rádios do exterior.
O senhor Manhães era uma figuraça com aquele rádio e a imensa generosidade de sua alegria contagiante. Sua esposa, dona Nair, fazia um feijão que nem minha mãe fazia melhor. O feijão me emocionava tanto que até hoje eu me lembro dele, sempre, ao comer feijões em outros lugares. Lembro saudoso, claro.
Outra coisa que me levava a Piabetá era pescar de varinha, peixinhos, no córrego que cortava a vila. Bons tempos de um lugar onde só os sonhos se perdiam, as balas eram tão somente, guloseimas de crianças.